É perceptível que há ansiedade no público vestido maioritariamente de preto que ocupa o Hard Club-- sala emblemática da muito romântica cidade do Porto-- que espera a entrada em cena dos Psychedelic Furs que se fazem anunciar com uma música de cariz sinfónico e a sua aparição é recebida com entusiasmo por figuras tão dispares quanto o Adolfo Luxúria Canibal ou o Marco Nunes e é essa intensidade que se transfere para os músicos que se desinibem gradualmente e quando se asseguram que os portugueses estão fascinados com as suas canções de teor vário mas centradas na pop que se imiscui em diversas fontes seja num negrume que lhes adensa o seu traço de perdição mas numa vertente maioritariamente platónica ou na decomposição desse centro pop para um pós-punk isto é guitarras aceleradas e um baixo corpulento do Tim Butler que somente por si (sem esquecer o saxofone o teclado e a bateria) são de uma urgência tal que sobrevém uma opressão causada pela urbe e esse quadro é deveras fantástico porque revela a intensidade de algo quase asfixiante que aumenta a frequência sonora do Hard Club poder-se-á afirmar que os Psychedelic Furs apesar da sua origem longínqua na década de setenta/oitenta do século XX supor-se-ia que as suas canções soassem datadas (isto apesar de na essência emanarem fielmente das gravadas em vinil) mas tal não sucede porque a elegância jamais é démodé e como tal essa contemporaneidade retira a banda de qualquer cápsula do tempo que esteja presa ao passado e isso é sublinhado com uma canção nova a qual se assemelha a uma canção fúnebre pop com métrica do Jacques Brel (do qual David Bowie fez versões em inglês) e que liricamente reporta aos primeiros tempos de músico pop por parte do cantor Richard Butler que tem um timbre de voz grave tão grave que parece dissonante e esta distorção provoca o distanciamento dada a sua estranheza e o chamamento dada a sua textura intrigante e que por vezes irrompe dolorosamente outras vezes é de uma assertividade que transparece uma frieza que é meramente de quem narra dramas existencialistas mas o amor esse é reflexo de inúmeras parábolas pop que remetem para algo cinético de tantas vezes sonhado como se fosse um desejo secreto que somente o inconsciente detém o seu registo há a ainda destacar a relação de gang dos Psychedelic Furs que enfrentam o público como se fossem piratas que estão na disposição de lhes vilipendiar a alma esse fluxo invisível emana como um íman principalmente quando executam um psicadelismo viciante que é uma confrontação com a mortalidade ouvem-se aplausos e as câmaras no ar fotografam e filmam o cantor a rodopiar ou a evocar algo que é uma narrativa em que o amor ou desamor colidem e se transformam em algo inexplicável e essa perdição é um reflexo de um pós-pop-romantismo que encontra no kitsch dos sintetizadores de Amanda Kramer uma ilusão que se imiscui no turbilhão do negrume incutindo-lhe uma áurea que ora se intercala ou é a base das canções e ainda há um encore hiper-psicadélico que é uma extensão que se alarga e contrai numa profusão quase infinita e eclodem as palmas e o Richard Butler despe-se com um beijo enquanto os restantes músicos dão à canção uma continuidade apoteótica e é este epilogo que impede o público de abandonar a sala com palmas e mais palmas que duram largos minutos até que por fim um roadie desliga o equipamento dos Psychedelic Furs mas a beleza das canções perdura e perdurará para além deste fim.
The Psychedelic Furs, 15 de Outubro, Hard Club, Porto.
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