sexta-feira, 10 de julho de 2020

L'Amour de la peinture

Está a escurecer em Lisboa mais exactamente no Parque Mayer à porta do Capitólio na esperança que possa entrar mesmo que não tenha sido contactado pela produção liderada por André Tentúgal um realizador associado aos GNR ao registar para vídeo “Cadeira Eléctrica” e em DVD “GNR os Primeiros Trinta e Cinco Anos ao Vivo” (os GNR completarão quarenta anos em 2021) e desempenha essas mesmas funções no ELÉCTRICO programa que tem como formato colocar duas bandas em confronto directo e ao vivo e aos GNR calhou na rifa os Cais Sodré Funk Connection não fico surpreendido pelo meu nome e o do meu irmão não constarem da lista dos inscritos para fazer parte do show respondo a um questionário simples e por fim a minha interlocutora acrescenta que se faltar alguém teríamos esses lugares à nossa espera e após quatro minutos entramos no Capitólio uma assistente explica que o nosso lugar são umas cruzes brancas no chão das quais não poderíamos sair até ao fim de hora e meia de rodagem para posterior emissão na RTP e os primeiros a moverem-se nesse espaço temporal são os GNR e em “Efectivamente” a sua festividade tem como ponto convergente a pop/rock delineada para ser fruída a dançar se é pop inteligente é o de facto e que pretendo analisar é o seu cariz contagiante sem ser pegajosa e a poesia do poeta e voz dos GNR é um desprendimento atroz ao preconceito a seguinte “QUEM?” é um balanço pop melancólico que deflagra num psicadelismo que lhe oferece uma transmissão de esperança que é enternecedora de tão delicada e que gradualmente se insurge contra essa ilusão e ganha um rodopiar de carrossel conjugado por versos pejados de espírito assertivamente sublime e “Vídeo Maria” é revista numa actualização retro do funk pois tem reminiscência ao funk da Stax Records esta canção fez parte de uma revolução cultural pois é um hino pop perfeito que se imiscui num universo religioso ao associar Maria a um pecado original e o balanço dançante é arrebatador e a melodia viciante liberta-a ao se emancipar através do corpo de mulher observada por Rui Reininho o poeta sem estátua ou busto mascarado de Rui Reininho único e por isso imprescindível às nossas magras contas de figuras que possam ombrear com o seu magnetismo em palco “Dunas” perde a sua métrica de praia onde decorreu um amor adolescente e transcorre uma memória que por ser tão bela se torna idílica mas jamais se deva entender esta comparação com algo escapista antes pelo contrário a sua ressonância magnética é de uma força que impregna a música com imagens fotografias ou postais em movimento numa projecção intemporal e para “Morte ao Sol” é altura de entrar em cena a Selma Uamusse e a canção é engrandecida pela voz desta cantora que a transpõe para um domínio tão espiritual quanto revelador desse universo que é tão vasto quanto tal é possível para a natureza humana do outro lado da balança encontra-se Rui Reininho num contraponto que faz ressoar cada verso numa modelação que remete para a abstracção proporcionada pelo caos ou a anarquia mas que paradoxalmente é enunciador de esperança mas também da desesperança mas estes são um fio condutor que oferece à sua personagem que é o Rui Reininho uma profundidade psicológica que se irmana a roçar a perfeição com a da Selma Uamusse e declaro que os GNR o Tóli Cesar Machado e o Jorge Romão inscrevem um momento histórico para a televisão acompanhados pelo Samuel Palitos e o Rui Maia é porque ocorre algo tão belo que é do domínio do espiritual leve e denso que progride da pop para se prolongar ambientalmente para um garrote que a prende a um ritmo hipnótico somente genial; quanto aos Cais Sodré Funk Connection que intercalaram a actuação dos GNR fazem jus ao apelido e é esse o seu problema primordial o transporem o funk seguindo as coordenadas mais reconhecíveis com o uso e o abuso de um groove entediante de tão repetitivo permito-me acrescentar que os músicos primam por uma eficácia em que por vezes rompem as cadeias do funk mas que é tão episódico que não logram impô-lo como denominador comum e assim ocuparem um outro patamar que não o de uma banda de funk como haverá similares por esse mundo ocidental afora não devo nem posso esquecer o convidado desta comitiva do funk o Paulo de Carvalho e com o qual auguram alguma profundidade estéctica em “Mãe Negra”.

ÉLECTRICO (GNR + Cais Sodré Funk Connection), 9 de Julho, Capitólio, Parque Mayer, Lisboa.