sábado, 3 de outubro de 2020

Filhos do Tédio

O gato no alpendre da nossa casa parece que se deita e se enrola como uma corda de um veleiro sobre o convés mas ele é negro de olhos verdes e tem uma alegria de quem é feliz na sua pele de negro em tempos usado pela magia negra ou intitulado como símbolo do azar ambos são redundantes tanto quanto o poderia ser na Idade Média por vezes o gato senta-se ao meu colo numa simples manifestação de carinho que retribuo com carícias para o embalarem no sono e ronrona numa meditação que o liberta da condição de gato descendente dos glorificados no Antigo Egipto e ou de vampirismos de filmes de série B mas essas considerações pouco lhe importam a prioridade é satisfazer o seu ego com a minha ternura benevolente de quem faz dele um ser precioso que me compreende tanto quanto eu conheço as suas manhas de gato mimado é o meu companheiro nesta casa que intitulo como nossa porque ele é o fiel da balança com a sua alegria que contamina e me torna numa pessoa que somente reconhece a felicidade como se fosse um postal de uma ilha paradisíaca e se pudesse sairia deste lugar para uma outra divisão com menos luz diurna para que a minha sombra não fosse tão pesada parece que estou imerso numa penumbra ditada por arquitectos e empreiteiros tão ignorantes quanto gananciosos quase que se assemelha a um bunker onde saltita o meu gato preto sobre o cimento do chão coberto aleatoriamente por tapetes esburacados; o trio conimbricense Wipeout Beat apresenta-se no Salão Brazil com o propósito de apresentar novos temas que irão constar no próximo álbum de originais onde irão constar duas canções que ultrapassam os dez minutos algo ousado na pop que decorre a nível nacional mais predisposta às rádios locais mas esta consideração serve de contraponto para destacar positivamente os Birds Are Indie ou os Mancines e ou ainda Raquel Ralha & Pedro Renato e a lista ainda poderia passar pelos Flying Cages ou os a jigsaw ou ainda os penúltimos mas nem por isso os menos importantes os demolidores The Parkinsons acompanhados pelo Kazuza ou os cáusticos Subway Riders e o trio Wipeout Beat são a razão exclusiva desta crónica sónica “Sonic Life” é uma canção com variações mínimas em teclados analógicos numa continua desconstrução do kraut rock do álbum “Small Cities Big Thoughts” (2018) e é aqui detalhada para ser usada como termo comparativo das novas canções e essa premissa é recolocada num outro contexto sonoro em que o que decorre é um composto que incorre numa releitura ou reescrita do punk ou do blues quase que os decapitam e os transformam num outro conceito de cultura mais denso e harmonicamente poderoso com as progressões circulares a se estabelecerem como elemento exógeno a esta revolução que poderá ser em cada segundo ou minuto em que inscrevem uma nova utopia; esburacados por causa da sua criancice de afiar as unhas ao tapete ou então esgravata-lo para escavar uma saída desta casa como o compreendo se tivesse a sua força de vontade conseguiria algo que não fosse um encarceramento imposto pela minha velhice a qual parece que encobre e ou revela a minha impotência em augurar um outro futuro que este que não se parece com esse espaço temporal neste é o presente que me domina para me obrigar a pensar sobre o porquê de não conseguir fugir mas não sei como nem sei para onde não tenho a saúde do meu lado o meu coração consome comprimidos para funcionar assertivamente a minha mão treme e não sei porquê talvez seja do frio que consome os tijolos que formam o meu esqueleto onde há musgo e outros parasitas tontos o meu gato é o único ser ao qual dou apreço tal como daria a quem me amasse incondicionalmente tal como o fiz à minha querida esposa que se passeia tal figura diáfano e me trespassa o coração por uma energia rejuvenescedora que me dava alento para forçar a chave da porta e desaparecer tal como o faz por vezes o meu gato para quebrar com a sua rotina de prisioneiro da minha solidão.

Wipeout Beat, 2 de Outubro, Salão Brazil, Coimbra.