O gato no alpendre da
nossa casa parece que se deita e se enrola como uma corda de um veleiro sobre o
convés mas ele é negro de olhos verdes e tem uma alegria de quem é feliz na sua
pele de negro em tempos usado pela magia negra ou intitulado como símbolo do
azar ambos são redundantes tanto quanto o poderia ser na Idade Média por vezes
o gato senta-se ao meu colo numa simples manifestação de carinho que retribuo
com carícias para o embalarem no sono e ronrona numa meditação que o liberta da
condição de gato descendente dos glorificados no Antigo Egipto e ou de
vampirismos de filmes de série B mas essas considerações pouco lhe importam a
prioridade é satisfazer o seu ego com a minha ternura benevolente de quem faz
dele um ser precioso que me compreende tanto quanto eu conheço as suas manhas
de gato mimado é o meu companheiro nesta casa que intitulo como nossa porque
ele é o fiel da balança com a sua alegria que contamina e me torna numa pessoa
que somente reconhece a felicidade como se fosse um postal de uma ilha
paradisíaca e se pudesse sairia deste lugar para uma outra divisão com menos
luz diurna para que a minha sombra não fosse tão pesada parece que estou imerso
numa penumbra ditada por arquitectos e empreiteiros tão ignorantes quanto
gananciosos quase que se assemelha a um bunker onde saltita o meu gato preto
sobre o cimento do chão coberto aleatoriamente por tapetes esburacados; o trio
conimbricense Wipeout Beat apresenta-se no Salão Brazil com o propósito de
apresentar novos temas que irão constar no próximo álbum de originais onde irão
constar duas canções que ultrapassam os dez minutos algo ousado na pop que
decorre a nível nacional mais predisposta às rádios locais mas esta
consideração serve de contraponto para destacar positivamente os Birds Are
Indie ou os Mancines e ou ainda Raquel Ralha & Pedro Renato e a lista ainda
poderia passar pelos Flying Cages ou os a jigsaw ou ainda os penúltimos mas nem
por isso os menos importantes os demolidores The Parkinsons acompanhados pelo
Kazuza ou os cáusticos Subway Riders e o trio Wipeout Beat são a razão
exclusiva desta crónica sónica “Sonic Life” é uma canção com variações mínimas
em teclados analógicos numa continua desconstrução do kraut rock do álbum “Small
Cities Big Thoughts” (2018) e é aqui detalhada para ser usada como termo
comparativo das novas canções e essa premissa é recolocada num outro contexto
sonoro em que o que decorre é um composto que incorre numa releitura ou
reescrita do punk ou do blues quase que os decapitam e os transformam num outro
conceito de cultura mais denso e harmonicamente poderoso com as progressões
circulares a se estabelecerem como elemento exógeno a esta revolução que poderá
ser em cada segundo ou minuto em que inscrevem uma nova utopia; esburacados por
causa da sua criancice de afiar as unhas ao tapete ou então esgravata-lo para
escavar uma saída desta casa como o compreendo se tivesse a sua força de
vontade conseguiria algo que não fosse um encarceramento imposto pela minha
velhice a qual parece que encobre e ou revela a minha impotência em augurar um
outro futuro que este que não se parece com esse espaço temporal neste é o
presente que me domina para me obrigar a pensar sobre o porquê de não conseguir
fugir mas não sei como nem sei para onde não tenho a saúde do meu lado o meu
coração consome comprimidos para funcionar assertivamente a minha mão treme e
não sei porquê talvez seja do frio que consome os tijolos que formam o meu
esqueleto onde há musgo e outros parasitas tontos o meu gato é o único ser ao
qual dou apreço tal como daria a quem me amasse incondicionalmente tal como o
fiz à minha querida esposa que se passeia tal figura diáfano e me trespassa o
coração por uma energia rejuvenescedora que me dava alento para forçar a chave
da porta e desaparecer tal como o faz por vezes o meu gato para quebrar com a
sua rotina de prisioneiro da minha solidão.
Wipeout Beat, 2 de
Outubro, Salão Brazil, Coimbra.