O festival Jazz ao Centro que se realiza no Salão Brazil (Coimbra) propõe para a sua noite inaugural: Rodrigo Brandão & Sun Ra Arkestra e para quem gosta de jazz este último nome é fundamental dada a sua áurea de génio que assinou cem álbuns, e tornou-se fundamental no carácter vanguardista das suas propostas seja no free jazz ou no jazz modelar, seja sentado ao piano ou nos sintetizadores. A sombra de Sun Ra ainda perdura através Sun Ra Arkestra liderada por um dos seus pupilos o saxofonista Marshall Belford Allen (que não se encontra na banda que irá actuar daqui a pouco, antes há somente dois músicos que pertenceram à Arkestra e que tocam sopros).
O denominador comum do concerto consiste no free jazz mas dada a repetição constante do mesmo mecanismo rítmico este acaba por se ir anulando para se tornar em algo entediante, pois não há uma surpresa vibrante quando ecoam os solos dos metais --aos quais se deve juntar aos dois americanos o Rodrigo Amado no saxofone— e acabam-se por se perder no caldo ainda composto por bateria e contrabaixo, tambor e teclados (que não se ouviram). Por outro lado e esta talvez seja a questão fulcral que faz reflectir qualquer melómano: é a impossibilidade e ou a incapacidade de criarem meios termos ou intervalos de tempo em que fosse possível haver um maior discernimento dos músicos para recriarem de forma criativa o free jazz, antes o que sucede é a sua cristalização nos domínios há muito determinados por outros músicos como por exemplo o Miles Davis. Não há respiração apenas e somente uma contínua (arrisco-me acrescentar) forma trágica (quase) perpétua circularidade por decair numa redundância que é exasperante que transforma o free jazz num pantanal, que inicialmente pretendia elevar as consciências a domínios que lhe estão vedados através da pura observação (por exemplo) da natureza e ou da arquitectura, somente essa música tem o poder de o realizar de forma instantânea para que nada fique igual, para que nada fique pedra sobre pedra e permitir ao ouvinte estabelecer raciocínios mais complexos (algo que a música pop/rock raramente o consegue); mas o free jazz produzido por este colectivo é inócuo da mesma forma que o é a literatura de cordel ou os romances de cariz científicos ou de fantasia medieval ou fantásticos.
Adoraria esquecer a
presença de Rodrigo Brandão, sentado numa mesa, que é o MC que lê um manifesto
que tem a duração de três ou quatro horas (isto no tempo psicológico), na
realidade tem a duração total do concerto (aproximadamente sessenta minutos). Este
mestiço originário do Rio de Janeiro produz uma leitura sobre diversos temas
especialmente focalizados na união entre religiões, na dança dos “cérebros” ou
na questão de género ou na discriminação racial, há somente um momento em que a
leitura se alinha com o ritmo da banda e num outro declama, chega a levantar-se
para dançar dando uma movimentação às pernas similar às das gaivotas e noutra
ocasião desce o palco deita-se no chão a uivar para o microfone. É verdade que
transpira felicidade por ter uma plateia tão obediente aos seus ditames, que
são meras observações morais e ou críticas retiradas de jornais, o seu
contraditório limita-se afunilar através da censura da desunião entre
religiões, à incapacidade dos cérebros de serem livres ao ponto de dançarem, à impotência
perante a diversidade ou à questão racial que ele julgava que era menos densa
em Lisboa do que no “Rio, onde o céu é mais pesado”, mas um dia acordou e viu
um nome na comunicação social, “Bruno Candé”, que fora assassinado algo que o
fez reflectir sobre algo central: “Como é possível no século XXI, gente nois
estamos no século XXI, haver ainda racismo? Como é possível?”. Meu caro Rodrigo
Brandão tal deve-se ao seguinte (e pode perguntar a historiadores que conheça),
há diferentes níveis de tempo na ciência que estuda os povos, e dividem-se em
três pontos: na estrutura, na conjuntura e revolução, e esta última ainda não
surgiu para categoricamente anular o racismo das mentes dos brancos (cor de
pele do assassino do Bruno Candé). Por fim, Rodrigo Brandão agradece a “Rui
Miguel Abreu”…
Jazz ao Centro, Rodrigo Brandão &
Sun Ra Arkestra, 22 de Setembro, Salão Brazil, Coimbra.