O Auditório Municipal
da Figueira da Foz recebeu dois históricos do rock and roll bracarense, António
Rafael e Adolfo Luxúria Canibal dos Mão Morta que apresentam “cancioneiro”
enquadrado nas Terças de Leitura.
A primeira parte do
cancioneiro correspondeu a uma conversa interessante sobre os diferentes poetas
e géneros poéticos que influenciaram o então jovem Adolfo Luxúria Canibal,
desde a beat geneation passando pelos poemas/textos de Heiner Müller. A trama
poética dos Mão Morta passa por géneros marginalizados e por autores malditos, destas
fontes criaram um universo particularmente sujo em que as palavras/versos são
meros pontos de referência incisivos e acutilantes associados por um escuro
proposto pelas guitarras e pelo baixo possante.
Os Mão Morta seriam
mais uma banda esquecida que passou pelo Rock Rendez-Vous pelas suas
características niilistas e comportamentos auto-destrutivos, num país como
Portugal onde quem entra pela marginalidade adentro via às artes ficará
eternamente esquecido, e ou, recluso dos seus interesses e dos seus contactos
com uma sub-cultura tão exígua, que contam-se pelos dedos os que se assumiram
cabeças de série do seu malogrado destino. Luiz Pacheco será o caso ou o
exemplo socialmente mais conhecido, o do João César Monteiro ou do Mário
Cesariny, mas estes três exemplos lograram cumprir-se mesmo num meio adverso
que continuamente os rejeitou. Assim como os Mão Morta volvidos quatro décadas gravam
discos e dão concertos, algo improvável, não vos parece? E a postura do Adolfo
Luxúria Canibal poder-se-á descrever de alguém desprendido da sociedade que
conversa sobre livros como se estivesse a falar com uns velhos amigos.
A segunda parte deste
cancioneiro é iniciado pelo António Rafael ao piano, e a primeira composição é
simples, algo que por vezes a relega para o simplismo da repetição do mesmo
fraseado musical, numa variação um tanto ou quanto monótona; a segunda eleva a
fasquia já que há diversos centros que posteriormente são misturados com outras
frases melódicas bem mais intensas. A terceira parte conta com o Adolfo Luxúria
Canibal na voz a acompanhar o piano do António Rafael, e os temas foram: “Entre
2x2 e B-A ba”, “Ontem Comecei”, “Floresta em Sonho”, que se encontram plasmadas
no álbum conceptual “Müller no Hotel Hessischer Hof”, e que foram interpretadas,
se tal fosse possível, por uma voz simultaneamente quente ou fria. “É um
Jogo” do álbum “Há Muito Se Tornou Irrespirável Nesta Latrina”, numa toada
quase seca que pretende o inumano onde há laivos de esperança que a humanidade
seja mais justa, mas tal não passa de algo utópico, pois há que jogar nem que
seja por razões do foro agregado à mortalidade. “Aum” do Lp “Mão Morta” é uma
narrativa que segue um percurso tétrico, tudo é-o, ou mesmo a perseguição de um
criminoso ou a sua caminhada de um suicida, que tem o tempo contado pois este “não
espera por mim”. Quanto à última desconheço o nome e poder-se-á inscrever numa
narrativa que vive na “penumbra” e “no espelho” e numa máquina de escrever, que
decorre numa vivenda que para os Mão Morta poderia ser uma casa de fantasmas ou
uma casa mortuária, há beleza no teclado que lhe incute esperança.
António Rafael &
Adolfo Luxúria Canibal, Cancioneiro, 28 de Março, Auditório Madalena Perdigão, Figueira da Foz.