segunda-feira, 12 de fevereiro de 2007

800 Escudos

Tem a cabeça destituída de cobertura, lentes densas fazem realçar os seus olhos e pontua o seu discurso com números: "a minha mulher ofereceu-me uma tesoura, que lhe custou oitocentos escudos, com ela cortei o alumínio que tinha dois centímetros de espessura.” Ângelo de Sousa é escultor e artista plástico,"eu desenhava e guardava, o que não gostava deitava fora…” E como sabe que não gosta de um trabalho? Questiona Ana Sousa Dias (“Por Outro Lado”), “isso sucede quando tenho nojo da minha obra” e “se desenhar 1000 é possível que 100 vão parar ao lixo!”, sublinha a sua voz enrouquecida, os gestos acompanham as frases de forma displicente. “Após o vinte e cinco de Abril tínhamos reuniões que duravam dias! Um falava, falava, depois era a vez de outro e eu aproveitava para desenhar, desenhar, aquilo era um sofrimento!” As obras que estiveram na Gulbenkian, foram quantos desenhos? 200? “Não, muito mais, muito mais.” E o facto de ter tido vinte na nota de curso, isso modificou a sua vida? “Nada.” Mas foram só quatro com nota máxima? “Não, foram mais. Mas essas notas foram dadas para fazer concorrência à Escola de Belas Artes de Lisboa, nada mais. A nós os quatro deu-nos jeito, formamos uma sociedade que durou quatro anos, era uma forma de atrair as pessoas.” E em Londres como foi a sua vida? “Mandavam-me desenhar uma modelo loura, branca, de olhos azuis e diziam-me: “carregue mais nas sombras! Carregue mais nas sombras!” Mas eu não via nada sombreado na mulher que era loura, desisti, também já era algo que eu fiz durante seis anos todas as manhãs no Porto.” E o que fez por lá? “Nada.” Mas não visitou nenhum museu? “Ah! Ia muito ao cinema com a minha mulher, ver ciclos de cinema francês nomeadamente da nouvelle vague. Fui aos museus estudar como é que os gajos chegaram a determinados resultados. Porque é isso que me interessa numa obra, perceber o processo e avaliar o resultado.” E não tem curiosidade em saber para onde vão as suas obras? “Não, nenhum. Ainda há pouco tempo arderam duas obras que tinha num atelier, e não tive pena nenhuma, elas foram à vida, acabou! No outro dia fui à casa de um coleccionador, ele convidou-me para subir para ver onde estavam umas telas, e eu recusei!” Mas não quer ver? “Não!” Mas porquê? “Essa parte já não me diz respeito, nem quero saber. E quer outro exemplo? Telefonou-me um cliente ao qual lhe havia caído um quadro ao chão e que se havia partido, eu perguntei-lhe: mas o senhor colocou o fio de nylon em vez do arame? "Sim." Então que quer que eu faça? Que perca duas semanas a concertá-lo? Ardeu! Acabou!"

Ângelo de Sousa em "Por Outro Lado"

O Meu País Inventado

Vivencio uma daquelas tardes de Setembro em que o calor é algo ténue e por essa razão efémero. No palco da Praça da Canção em Coimbra a ensa...