O artista plástico, Julião Sarmento apresentou-se no foyer do Teatro Académico Gil Vicente, a convite do Instituto de História de Arte da Universidade de Coimbra. Durante a palestra foram projectadas as obras de Julião Sarmento, acompanhado por Delfim Sardo e António Filipe Pimentel. A introdução foi realizada por Delfim Sardo, “começou em 1972, e o Julião tem repartido a sua obra por vários suportes: Super 8, 16 milímetros, escultura, duplicação mecânica. As tónicas, têm sido a ligação ao cinema e à literatura”. Julião Sarmento, é um homem de grande porte, tem a barba de vários dias, óculos, e um timbre de voz sedutor, “isto está cheio! Pareço um artista de rock (risos)”. “Não costumo olhar para o passado, somente olho para construir o futuro. Eu não sei falar sobre o meu trabalho, se eu não fizesse o meu trabalho, apenas falava. Eu sou um artista proeminentemente visual. É importante olhar para o meu trabalho, mas não há muito mais a acrescentar ao meu trabalho. Se eu fosse escritor, eu seria do género que escreve sempre o mesmo livro, tenho meia dúzia de obsessões, eu não sou um artista que não está habituado certezas. Não interessa fazer um trabalho absolutamente redondo, estão quase bem, mas o que me interessa é o quase”. A luz do foyer apaga-se, e Julião ironiza, “ eu gosto de ser voyeur, mas é a outros níveis, não é a falar às escuras para uma plateia”. “ O que me interessa nestas questões é chegar ao fim e ver que não consegui, e ter uma desculpa para trabalhar no dia seguinte. Esse sentido da memória, o traço é visível, está lá! As questões genéricas ao cinema e à literatura, e ao desejo, estão lá.” Quanto ao “surrealismo, não sei o que a minha obra tem haver sobre o surrealismo”. “O meu trabalho é seriado: é uma espécie de mote, os meus trabalhos estão agrupados em grupos”. No início “pus de lado a pintura e o desenho” e concentrou-se na “fotografia e no Super 8”, “aqui já se percebe a relação com o cinema”, “eu pertenço à velha guarda, as fotografias eram performativas e não existiam como ícone, eram representações da realidade. Trabalhava muito com polaróides, há motivos recorrentes que são mulheres, não sei porque (ahahha)”, “na altura tive um incêndio no atelier e arderam todos os filmes, na altura não dava para fazer cópias, tinham que ir à França e custavam caríssimo”. “Na altura ninguém fazia filmes, claro que fazia o Andy Warhol. As projecções eram feitas em casa dos amigos, e eram projectados em cima de naprons, por outro lado tinham muita mais graça porque eram muito mais violentas”. Julião Sarmento sublinha que na “altura tínhamos uma ideia vaga das coisas, eram descobertas gradualmente. Hoje, os artistas atacam com tudo o que têm, nós entravamos no limbo”. Para enfrentar e romper com este estado colocou-se dentro da “jaula do tigre, a fingir que era um tigre durante uma hora, roçava nas paredes, levava uma máquina e fotografava o que o tigre via e por outro lado tinha um comparsa no exterior que fotografava sobre os espectadores que me viam dentro da jaula (ahahha)”. “Eu já nesta altura era poupadinho e o dinheiro que eu tinha era para a paródia, para se ser pintor não era preciso muito dinheiro. Pintava em papel de embrulhar bacalhau, que era utilizado para embrulhar as postas de bacalhau”. “ Dou tanta importância ao texto quanto à imagem, são duas realidades que se complementam, como são o caso dos textos da Virginia Wolf”. A instalação que realizou “era uma caixa que tinha um segredo”, este, “era revelado através da caixa, mas esta estava de tal forma iluminada que ninguém via o segredo (ahahah).” Julião revela o que o motivou “a ser artista, para engatar, à conta de ser artista, as coisas que eu fiz! Mas dá resultado! (aaahha)”. “Perdi tudo o que fiz, três vezes: a primeira vez foi no 25 de Abril. Tinha um atelier por cima da Assirio&Alvim, onde tinha uma cama, livros, discos, e trabalhos que tinha realizado em conjunto com o Fernando Calhau. A quatro de Abril acabo a tropa e não tinha dinheiro para pagar o atelier, dá-se o caso que o senhorio que morava no Porto, mas que tinha uma gaja sempre à porta a cobrar a dívida. Eu era um gajo muito tímido e desapareci. Voltei doze anos depois ao atelier, foi-me aberta a porta por um casal. Não revi nada dessa altura, desapareceu tudo, os discos, livros”. A saga passa por um segundo atelier, “eu trabalhava numa galeria em Belém”, espaço, “que tinha ficado remanescente do Mundo Português de 1940. Eu arranjei um cantinho para o meu atelier. A 21 de Julho de 1978 ardeu tudo! Menos o que estava na casa da minha primeira mulher, que residia no Chiado. Em 1988 houve um incêndio no Chiado e ardeu tudo (ahahhah)!”. “Sempre fui visualmente violento, e utilizei uma palete muito reduzida de cores”, “se tiver um quadro branco com um ponto vermelho, o olhar vai de encontro a esse ponto”, “os títulos são em inglês porque as obras têm destinatários estrangeiros”, “para mim o título tem uma importância paralela à obra, é um bocado da obra”. “Em 1992 fui convidado pelo instituto alemão a ir à Amazónia com mais dezasseis artistas, durante a qual cada um de nós iria fazer uma obra, que seria exibida na Eco 92”, “construi uma casa igual às do Lula, mas ao contrário, com esta cor, verde-água. Eu quando comecei a fazer as pinturas brancas, o branco é neutro, no Ocidente a neutralidade é essa. O branco na Amazónia não é neutro. Dentro da casa há 15 cm de terra vermelha, que não podem ver, e nas paredes há grafites, que não foram feitas por mim, mas por um local, eu disse-lhe: faz uma faca, uma mulher, só podem ser vistas através das frestas.” Exibe o tronco de uma árvore que tem sintomas de “ambiguidade que me interessa, as ramagens passam a ser braços, o que permite uma multiplicidade de leituras”, “ não se percebe se é um homem ou se é uma mulher”. “Até 1997 ninguém passava cartão à Bienal, Portugal não tinha um pavilhão, na Bienal de Veneza. A Islândia tinha um pavilhão muito bonito do Alvar Alto, e como tinham poucos artistas, emprestou o pavilhão a Salazar e a Caetano. Nesse espaço chegaram a ser apresentados dezasseis artistas. Em 1997 é a primeira vez que Portugal é representado com alguma dignidade!”, “estão a divertir-se ou quê?”. Em 2001 para a exposição internacional colaborou com “Anton Egoyan, num filme em que entre o espectador e o filme é um corredor de sessenta centímetros de largo, o espectador só vê um fragmento do ecrã, o som ouve-se vindo do chão. Foi muito interessante, porque foi a primeira vez que tive a noção do que eram os budgets, eu tive uma reunião com o Anton em Paris, depois em Veneza, porque ele era um dos membros do júri”. “Porque é que eu não ponho caras, nas mulheres? Eu tive problemas sérios, por não pôr cabeças, em 1988, fiz uma exposição em Nova Iorque. Onde normalmente há três inaugurações, na primeira noite surgiu uma comissão de mulheres ofendidas, levei-as para um anfiteatro, coloquei-me no púlpito e disse-lhes que não era um macho, que não tinha ódio às mulheres, não têm cabeça porque são representações genéricas de mulheres!”, “desde que se ponha uma pestana num rosto passa a ser um retrato!”. Em 2002 “comecei uma nova série de trabalhos de silhuetas, fotografo, projecto-as e são pintadas ao detalhe, todas são altamente pornográficas, vocês nem sabem o que se passa aqui dentro (ahahh)!”
Julião Sarmento, Instituto de História de Arte da Universidade de Letras, Foyer do Teatro Académico de Gil Vicente (Coimbra), 12 de Novembro.