domingo, 20 de fevereiro de 2011

Chelsea Hotel

Entra um homem baixo, com calças justas e um casaco de militar do leste, contudo a cor é mais escura. Tem o cabelo branco e com uma franja pintada de cor-de-rosa, é entroncado, uma pêra fina e branca. Senhoras e Senhores: John Cale, o colega de Lou Reed, Sterling Morrison, Maureeen Tucker, e amante da junkie angélica Nico, e Andy Warhol, Factory. Aterrou em Nova Iorque no ano de 1963 em que os americanos mataram Kennedy em Dallas. Os Estados Unidos estão em guerra com o Vietname, descarregavam bombas em Laos, alegando que haveriam vietnamitas, a extrema-direita no seu mais alto grau de pureza. As palmas eclodem no Teatro Académico Gil Vicente, Cale aproxima-se do teclado e a primeira canção é industrial, mas desconstruído, a sua voz é processada e as palavras são rugidos cadavéricos, o seu piano está desfasado da métrica dos três músicos que o acompanham, guitarra, bateria, baixo, é a assimetria a ser implementada como denominador comum, quase absurda, apesar do ritmo simples de dois por dois, “pure at heart”, parece cantar, “OOOOOOOOOOO”, teclas, “OOOOOO”, faz um sinal com a cabeça ao baterista para parar. O concerto anda pelos cartazes da rua publicitado da seguinte forma: “John Cale and Band”. A segunda canção “is about Ray Johnson, that I meet in New York, when I get their back in 1963”, a sua relação com os artistas plásticos americanos começa com este encontro, já que nasceu em 1942 no País de Gales. Ritmo lento, “hey Ray you get me crazy”, “you get me crazy, you are out of mind”, “1966, 1967, 1968”, “it´s all over”, “it`s all over”, coro, “It`s all over Ray”, “oh! Shit”. “1963, 1969, 1965, 1966, 1967, 1968”, “It `s all over Ray”, blues cibernético, solo da guitarra, “crazy”, mais uma vez a banda pára quando o maestro o deseja. “This is book arising”, teclado, o ritmo é integrado na progressão da canção pop, com subtis e pontuais samples tropicais a pintar a canção. Na segunda parte, o ritmo mantém-se, “close my eyes”, as teclas repetitivas sobrepõe-se ao solo da guitarra. “Digging fast”, “wisdom”, “close my eyes”, “book arising”, a guitarra hard-rock, distorcida sola, as teclas respondem, silêncio. “This is a new song is ´A Day in life of Cornam Callé`”. Pop-progressiva com forte pendor industrial desconstrutivista, “words”, solo prolongado da guitarra, “another” tempestade de ciclones a conspurcar a cidade de Coimbra, “EEEEEEEE”, irrompem do teclado acordes de música clássica, que dinamita a canção, como se fosse um alçapão dos palcos de teatro, que se esvai num segundo, violentada pelo solo da guitarra, corta a direito, subindo e descendo a escala. O teclado tem domínio sobre a canção, “over me”, “my eyes”, “everything is clear”, a partir daqui a estrutura rock é contraída por uma soul celestial, “big white cloud”, big white cloud”, “big white cloud”, “big white cloud”, “big white cloud”, “big white cloud”, “big white cloud”, “big white cloud”, coro, “big white cloud”, “looking in trees”, “soul”, “OooOO”, o teclado retira o ritmo à divagação estilística: “once again”, “love it”, “yes, I love it”, coro, “oooo”, solo da guitarra heavy distorcido, a banda aumenta o ritmo, o teclado recorta-a fantasmagoricamente. “Walking the Dog”, Cale abandona o teclado, e segura a guitarra eléctrica distorcida, ritmo básico dois por dois, soa a rock and blues, as canções de Cale são grandiosas quando assentam em melodias dualistas, quando este aspecto desaparece, emerge a vulgaridade. É impossível fugir à sua poesia, agendada no calendário, “I ask my mother”, “4 of July”, “aaiaiaiAAaiai”, “AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA”, um grito distorcido, ouvem-se as entranhas de Nova Iorque, Underground, The Velvet. “OOOOOOOOO”, como se fosse um beijo da heroína. A mesma métrica é carregada em “Helen”, distorção das guitarras, secção rítmica dois por dois, acordes de Cale, solo do guitarrista, “baby”, “she”, “OOoooo”, “enjoy”, hard-rock, solo heavy, “pictures”, “OouUUOOO”, solo progressivo da guitarra a penetrar a canção e dar-lhe balanço, ao misturar-se provoca hipnose. Palavras sacramentais “mercy, mercy, me”, “be”, “OooooO”. “Sold Motel”: “OOOOOO”, distorção das guitarras, “OOOOOO”, “OOOOOO”, “OOOOOO”, “OOOOOO”, “OOOOOO”, o metal é heavy, os instrumentos em paralelo, “OOOOOO”, “yeah”, “OOOOOOOOOOOO”,” “OOOOOO”, “yeah”, com a mudança de ritmo para o funk, mantendo a distorção, “sheck out the message”, “I hear you calling”, solo da guitarra, “ooOOOO Yeah!”. “This is a new song: ´Catastrophic”, Cale toca uma guitarra acústica, pop suja. Ao nono tema, “Hello There” a pop é liquidificante em ácido, “shadows”, “speed of the light”, “do it again”, coro: “do it”, “do it again”. John Cale não apresenta a nova canção directamente apenas diz: “New song”, a pop-acústica inscrita no amor e ódio, “teach me how to love”, “hate”, “steal”, deste lamurio surge a narrativa: “starring at the window”, “at the street”, “Watching”, “hurt me”, “you look around the corner”, o ritmo acelera, com solo da guitarra, e arranjos arabescos, “lock the door”, “dancing”, “When you meet me”, “look around the corner, you`ll remember that? You`ll remember that?”. Cale regressa ao teclado que toca em pé, este instrumento sobressai constantemente, o técnico de som coloca-o sobre os outros instrumentos, sobre estes a voz: “love song”, “pray”, “come down once again”, “and I do the journey”, sincope, “yes, I do the journey” , “She said: She felt in love”, “the man that she new”, “her lips is looking for”, “come down, come down”, “I do belive in the journey”, o solo da guitarra penetra a canção, delicado, a constatação: “She ran to Amsterdam”, o volte face, “she is back from Amesterdam”, voz aguda emana a dor a pedido da tristeza, “I do belive, I do belive, I do belive” , sublime, visceral. “Whaddya Mean” é pop-clássica, “day in, day out”, “darkness”, a banda acelera o ritmo, “say it”, “feel”, “down”, interludio da música clássica, desconstrói a canção e provoca o distanciamento, a banda encaixa os acordes pop, “proud”, “feel”, “everything”, solo metaleiro da guitarra, “say, feel, everything”, o teclado mergulha na desconstrução da música clássica. “Fear/Guts” é uma caricatura ao rock and roll, tem as características necessárias, umas teclas incisivas, o 2X2, “tell me”, rock-blues progressivo, “Rock and roll”, a continua progressão transforma uma canção banal num monstro rock. Surge a spoken-word, que caracterizou a primeira canção do concerto: “teell me”, “tell me if it `s rock and roll?”, será que o seu receptor é Lou Reed? “Rock and Roll”, voz distorcida, depois de uma overdose, aumenta o ritmo e a distorção deflagra e o final é improvisado. “Dirty Ass”, Cale na guitarra eléctrica distorcida, 2X2, solo do guitarrista, a distorção infecciona o baixo, a voz é ondulante, “me and…”, “wasting in me”, “long time”, solo curto, “steal my heart”, hard-rock-heavy, wall of sound, metricamente perfeito-- em escassos segundos desta canção cabem os Sonic Youth e todas as bandas noise-arty-- repetição esquizofrénica, minimal, violenta “arshole”, solo da guitarra compassado e acelerado, “street”, “arshole”, aumenta o ritmo e a altura, “tonight”, diminui o tempo em contra-ciclo com a distorção, épico, desconcertante, violador. “See you soon, sorry”. Cale abandona o palco dos estudantes de Coimbra, que se levanta e aplaude de forma enlouquecida? Cale entra para uma ode a Nova Iorque, pega na guitarra acústica e impede os colegas de o acompanhar, ficam omnipresentes: “Streets of New York”, “to the begining to the end”, uma canção folk a reduzir Dylan a mero aprendiz de feiticeiro, dos que mudam o mundo com três acordes e a verdade: “To the beginig to the end”, “hold me now”, as palavras são cantadas alongadamente: “To the light in your room”, “turn around”, a banda funciona como um coro de lamurias, “to the beging to the end”, “the cold of the begining to the cold of the end”.

John Cale and Band, 17 de Fevereiro, Teatro Académico Gil Vicente @ Coimbra.