Rodrigo Leão é baixo e entroncado, usa fato escuro, tem uma cabeça grande, com entradas carregadas. Senta-se no teclado e a equação sonora de “A Pedra Branca” é pausada, infantil, delicada, este cosmos é perturbado pelo violino e o violoncelo, que adensam a melodia. “O Navio Farol”, há duplicação dos teclados, com predominância do sintetizador de Rodrigo, e o resultado é um minimalismo repetitivo, do qual o acordeão retira gradualmente através do seu solo que induz em direcção da melodia que contagia o resto do grupo: ondulante, marítimo, agreste. Rodrigo Leão toma a palavra através de um microfone: “Estamos a fazer um concerto diferente do habitual porque é só instrumental”, a sua voz é um sussurro apagado sinal de consumo de tabaco. “Os Malandros”, tem ritmo de tango, com as cordas num tempo mais lento do que o piano de Rodrigo, posteriormente o piano e as cordas aceleram o ritmo, regressam à primeira parte da canção, e surge o solo do violino, que é a alma deste tema, estabelece-se o meio tempo com todos em cadências semelhantes, por fim aceleram e o violino sola violentamente, subindo e descendo a escala. Estes três temas são originais que ainda não foram gravados, haverá mais três. “Tardes de Bolonha” é um tema dos Madredeus, assinado creio que em exclusivo por Rodrigo Leão, colectivo que abandonou após “O Espírito da Paz”. A figura que se destaca é o acordeão, que a coloca geograficamente entre Paris e o Minho, o violino imita os acordes e as outras cordas, a viola e o violoncelo jogam entre si e ignoram-no, árida apesar da alegria aparente. “Rua da Atalaia”, dança, as cordas a dominarem, quebra, solo do acordeão, diálogo entre o violino e a viola, finaliza epicamente. “A comédia de Deus”, é alegro ma non tropo, a densidade das cordas apresentam um cenário carregado de suspense, mas o acordeão é o narrador e este é alegre, o solo do violino é prolongado como se fosse uma espada, a de Damocles é a indicada para acabar com a canção. “Mar me Quer”, piano lento, o violino sola lentamente esquartejando a alma dos presentes, o acordeão sola, a viola e o violoncelo surgem e sobre estes o violino sola. “Os Cidadãos”, o teclado lança as notas, o violoncelo sola e o violino e a viola orientam a canção para um funeral realizado durante um tufão que se desloca lentamente destruindo o que se encontra na terra e no ar. “Espiral”, é o quarto original, é um fado vadio, com o piano numa métrica um por um, com o acordeão a sobressair, com as cordas a repercutir os acordes do acordeão, denso, tétrico, um morto à espera da primavera. Contudo, o solo do violino dá-lhe esperança de ressuscitar, o ritmo decresce, solo do acordeão, que a banda acompanha e encaminham-se para o fim, encerrando-a em alta como se estivesse a expurgar a alma do cadáver. “Corda”, banda, solo do violino a esquartejar a existência dos outros instrumentos, o acordeão emerge, pausa, solo de violino a dominar todas as atenções. O ritmo é gradualmente lento com o violino a exacerbar e a erradicar-se da melodia, pausa, e a recta final é orientada por uma Itália anos 60 com carros desportivos e mulheres esculturais, o tema acaba em contra-ciclo, lentamente. “Nos próximos temas vou tocar baixo, que eu tocava na Sétima Legião”, a primeira banda que Rodrigo Leão fundou e que misturava a ruralidade com o urbanismo. Na sua carreira a solo, não abandonou esta dualidade à qual acrescentou a música clássica. “No se Nada”, é um voltar ao início do concerto, cantiga para adormecer crianças, com o xilofone a imitar bolas de sabão a explodirem no ar, com uma carga forte de Vini Reilly e na parte onírica aponta-se o dedo aos Cocteau Twins. “Infância”, é o quinto original, pop densa e repetitiva, atmosférica, muito próxima do génio de Brian Eno. Em “Aviões de Papel”, o último original, regressa a carga clássica, com as cordas em paralelo, com solo do violino, na perseguição segue-lhe o acordeão, Jaques Tati é o realizador apontado como uma possível inspiração, com a banda a acabar em altura, e o violino a destacar-se pelo seu timbre agudo. “História do Carro”, o piano representa o maestro, contudo este em vez de dominar é meramente omnipresente e esta característica perpassa o concerto. Pizzicato das cordas, acordeão, coro das cordas (violino, viola), solo do violino, insurge-se o acordeão, a densidade domina gradualmente, é o único momento do espectáculo em que a alegria domina extrovertidamente, mas é apenas uma promessa. Rodrigo Leão apresenta os quatro músicos que o acompanham, duas mulheres: “Celina da Piedade no acordeão e no xilofone; Viviena Tupikova no Violino e no sintetizador”, na “viola de arco Bruno Silva e no violoncelo Carlos Tomé Gomes”. “A Valsa do Equador” , inicia-se com o piano, e com um solo de Viviena Tupikova, mas a tristeza é implementada pela Celina da Piedade, o ritmo é de tango fúnebre, mas tem um ritmo minimal que marca o passo para o cemitério. Rodrigo Leão abandona a sala de espectáculos do Centro de Artes da Figueira da Foz, onde concretiza o seu quarto espectáculo, o primeiro foi na Quinta das Olaias numa noite de Verão. “Música Instrumental”, é um concerto composto por um conjunto de canções que marcam uma viragem no percurso do músico, já que o pendor destas é maioritariamente clássico, contudo, os excessos estilísticos derivam para o barroco e por vezes para o rococó, algo que se opõe à postura discreta de Rodrigo Leão, que se encontra na esquerda da meia lua deixando o centro para Viviena Tupikova. O seu violino é a voz das canções, uma tradutora da palavra para a pauta, com um instinto felino.
Música Instrumental, Rodrigo Leão, 12 de Fevereiro, Centro de Artes e Espectáculos da Figueira da Foz @ Figueira da Foz
segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011
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