domingo, 20 de novembro de 2011

In Vivo

Ouve-se uma voz off das colunas do Coliseu de Lisboa, ligadas à RTP internacional que declara que é fundamental apertar o cinto antes da viagem ao futuro, onde a saudade nunca sera dominante, apenas um pormenor irrelevante. Coloquem os headphones e oiçam os acordes da “Valsa dos Detectives”, que remete para os concertos históricos de 1990 que deram origem ao “In Vivo”. Ovação. Um novo tónico emerge da secção rítmica, o violino insurge-se como uma fibra aguda, se parece uma “selva sem leões”, palmas, “cheira-me a fêmeas fatais”, a lentidão promove uma dolente abstracção, “macacos imitações”, “ideias originais”, eco-“maismaismais”, a bateria ruge. “Rei da pop canta para nós”, as harmonias ganham uma tonalidade de raios solares, tropicalismo chic, eco: “Morreu por nós”, baixo, “as cidades tão iguais”, capital: “Faz das tripas corações”, solo de órgão, “orações”. Eco: “Dá-me a voz”, “nosses”, eco: “Por nós”: “Rei do Rock morreu por nós”, “dá-lhe gás”. Jorge Romão com o baixo na passadeira saltitante, contudo, é o teclado que insere efeitos especiais a parodiar Bernard Herrmann, que o violino recria construtivamente e desconstrutivamente. “Compõe para nós”, “por nós”, “nós”, Rui Reininho dança, Jorge Romão ergue o baixo acima da sua cabeça. “Olá cidade maravilhosa, capital do Império”. “Ei”, a canção que beliscou o pecado original, “Vídeo Maria”, da virgem Maria. A bateria dá-lhe um nivelamento sequenciado através dos bombos, palmas, “Tarde de chuva a península inteira a chorar”, ibéria, a inquisição: “Fumando à frente ao altar”, é mortal, fumar é prática de prostitutas, “de um anjo fumegante”, violino, orgasmo é só direito dos homens: “Crescer”, sente, levantem-se, “a língua morta” e por fim o “latim vai mudar”, “compreender”, é censurar, a progressão repetitiva é entrecortada pelo violino: “Atirem-me água benta”, acordes da guitarra resumem o refrão, é pop incandescente, “atirem-me água fria”, e o “nome dela é Maria”: “FRIAAAAA”. Baixo+palmas, solo do Hamond, conspurcado pelo solo do violino, a pátria na lama, “Ai”, “UI”, atirem-lhe, “atirem-me água benta”, perfume é só para putas, “Maria”, “casta eu sei virgem ou não?”, mãe, “Madonna, sabichona”, a progressão é esotérica. Rui Reininho-eco: “AI”. Rui Reininho: “UI”. Rui Reininho-eco: “Ai”. Rui Reininho: “UI”. “Ladies and gents, que bom que é estar aqui desde o último século. Prossima canzone se chiama sette Berlusconi”. “Sete Naves” é a divagação maligna e benigna, extraíram-lhe as tonalidades de fado-pop, mantém-se a dinâmica mecânica-circular, e cada verso é um punhal com diversas lâminas: é a jangada de “vejo destroços de metal a flutuar”, pode ser “o Tejo”, sobre o ritmo da bateria, as guitarras introduzem funk crescente, hipnótico, cego, “desejo de me afundar”, “ao acordar”, não paro de pensar em me suicidar, “paro de martelar”. Hipnose obsessiva repetitiva afectada pelos acordes das guitarras leves-agudos, “metálicos frios”, “enferrujar”, “matérias por soldar”, “diáfanos de envenenar”, “paro de martelar”, “não são feitas para navegar”, “mas nunca a do mar”, é o que nos resta, Rui Reininho coloca-se sobre a passadeira: “O ar”. “Voltam-se devagar”, através de Jorge Romão a síncope cardíaca é contínua, palmas do público. Tóli Cesar Machado, acompanha no sintetizador o outro teclado que injecta acordes da música clássica. Jorge Romão toca e dança sobre a coluna que se encontra lateral ao palco. Violino. Pausa. “As naves que eu construo não são feitas para navegar”, guitarra de Tóli acrescenta-lhe um pendor pop-rock, “fundem-se com o ar”, “vêem-se devagar”. “Wherever, mas nunca a do mar”. Coro: “Lalalala”, “mar”, coro: “Lalalala”. “E elas vêm-se, as mães, voltam-se devagar”. “LaiLarai Bom Bom”. “Obrigado, senhoras e senhores! Se fossem os National diriam: ´Top audience we are going to fuck them!` É verdade com prazer é mais caro!”, ri. “Mil casas no ar”, para te “proteger”, pop flutuante, com as guitarras de cristal fundido, “virou”, “Darth Vader”, “o ar”, e o refrão é libertino: “Pousar na paixão que te roer”, acendem-se as luzes do palco, “acabar”, “prender”, e a decadência é fruto “aconteça o que acontecer”, solo da guitarra, “pousar na paixão que te roer”, “acontecer”, solo do orgão, guitarra semi-distorcida resulta no único indício de agressão à arquitectura pop, semelhante à ondulação das nuvens que circulam no Verão. “Obrigado! Os ricos vão para o tribunal Constitucional! Os pobres vêem aqui! E agora também em francês! À vossa direita está o Tony Carreira”, e aponta para a respectiva bancada. “Adoro as pulgas dos cães, todos os bichos do mato”, o teclado numa cadencia binária a ser o indutor inicial, “Efectivamente”, em Lisboa: “Ici é diferente”, o álibi: “Sem moralizar”. A melodia tem nas artérias uma corrente pop, e a poesia obriga-se a descobrir a beleza no perverso: “Panascas”, a “engatar”, 2x2, “como se fossem mafiosos convictos, habituados a controlar”, “efectivamente”: “ULALLLA”. A bateria segura o ritmo, Jorge Romão dirige-se sobre a passadeira e pede emprestado uma bandeira a um fã, a original que milita na capa do “In Vivo”. Solo da guitarra sobre o ritmo binário: “Efectivamente gosto de aparências”, coro: “Laalalaala”. “Sem moralizar”, coro: “Lalalaa”. “Escuto as conversas”, coro: “Lalala”. “Sem MORALIZAR”, “parprara”. “Americanos simpáticos”, Jorge Romão no inicio da passadeira incita o público a bater palmas. “Ana Lee” surge a pós-adolescente com um guarda chuva oriental. Rui Reininho: “Achas que chove?”, Marta Ren: “Acho que não”. O exotismo dos acordes da guitarra colocam-na numa geografia ainda por ser descoberta pelos portugueses, uma ironia que joga com a ambiguidade poética. Marta Ren: “Uma banheira decorada, num lago champô”, Rui Reininho: “Separadas”. Sai um tufão da garganta de Marta Ren: “UUUUU”, e a música dispara ritmicamente, Rui Reininho e Marta Ren: “Ópio do povo, jaguar perfumado”, é o cúmulo da alienação, surge o cerne de um psicadelismo ébrio, “queimado dourado”, Portugal, “no país em que fumam as cigarras”, Rui Reininho e Marta Ren: “Ana Lee, Ana Lee”. Marta Ren: “Triângulo dourado”. A partir daqui e sobre os acordes do piano insurgem-se as guitarras a lhe incutir uma lógica discursiva de Manchester. “ELÁAAAAA”. Rui Reininho e Marta Ren: “Ópio do povo” . Rui Reininho: “Tigres”, Marta Ren: “De papel”. A delicadeza agri-doce do original é totalmente vilipendiada, Rui Reininho e Marta Ren: “No triangulo dourado”. Rui Reininho recusa que as unhas de Marta Ren, se apliquem sobre as suas costas. Antes, inflige-se arranjadelas sobre as costas, ri, Marta deixa os lábios pintados de vermelho sobre a bochecha esquerda de Rui Reininho: “Ah! A vida de transexual é muito difícil”. Segura uma chávena de chá na mão direita, bebe. O órgão é o respirar da canção, é um cadáver a expiar, espiar, “Leve, levemente como quem chama por mim”, a bateria é omnipresente, e o baixo o agente transmissor, “a tensão do medo puro”, mesmo assim, “subo a mão”, o orgão continua a respirar como um cadáver esquisito. Para quebrar a janela, “encosto ao vidro o anel de brilhantes”, impossível, “são de fancaria”, “porra!”. É-lhe vedado penetrar na “Bellevue”: “Ai o meu coração!”. “Ao meu rendez-vous”, desloca-se “pelo corredor”, segue a camara num traveling que é um flirt com a RTP internacional, “o sorriso cruel”, a mascarada: “Onde era sangue, era uma leve menstruação”. “Rendez-vous”. “As minhas amiguinhas lá no fundo do jardim, agora mais ninguém confia em Moi, Moi”, ressurge o órgão para manter o corpo a estrebuchar, mesmo que os acordes, a dominar a progressão, sejam para embalar os mortos, sobre a qual a guitarra debita agudos perpendicularmente, 2x2, solo do violino, pausa, “Bellevue”. “Ninguém aparece ao meu rendez-vous”, a solidão, cantada docemente: “Confia em mim”, o convite que ninguém aceitou: “Era só para brincar ao cinema negro”, o teclado responde como se fossem os acordes de um brinquedo sonoro para fazer adormecer crianças nos cuidados paliativos. “Os corpos no lago, eram de jovens no desemprego”. Rui Reininho desloca-se junto ao teclado de Tóli Cesar Machado e abraça-o: “Sou o irmão que nunca teve. E também é contra as touradas”. As escovas da bateria, “artéria principal”, canta lentamente “ardem chamas de dois sóis”, o circo romano, “a luta na arena principal”, onde “corre o sangue, mato-me primeiro e a ti depois”, o bombo está oculto, “oculto sangue que tenho para dar”, ligeira progressão, “funeral”, “flores é na igreja”, a lentidão de Portugal: “Sem correr e sem saltar”. Rui Reininho no imperativo: “Vá lá assumam!”. A progressão é pontuada pelo piano, por cada nota, vários palmos de terra sob, o baixo, bateria, e o violino transbordam epicamente: “Oculto sangue, Lisboa tem para dar”. DVD GNR. Jorge Romão: “Podem sempre cantar os parabéns, que a gente agradece”. Os alfacinhas cantam os parabéns, mas parecem contrariados, como se estivessem a responder a uma obrigatoriedade. O comandante do “Piloto Automático” é Tóli Cesar Machado na bateria, da qual retira uma força sonora animalesca, “quando chega a meia-noite começo a capotar”, se fosse somente épico, não é, luzes a baloiçar, a induzir: “Há um monstro dentro de mim”, o ressoar dos bombos elevam-na à mísula, “fígado a explodir”, os restantes componentes da canção acompanham a trip. O ritmo é mais curto no refrão, deixando espreitar, “wisky puro”, coro: “Vodka. vodka”. “Vinho só maduro”, coro: “Vodka, Vodka”. “Gin vó-mi-to”. Coro: “Vodka, vodka”. Rui Reininho: “Vodka. VodkaAAA”. Sobre a progressão marcial: “Ligo o piloto automático num programa a esquecer”, “até ao amanhecer”, “num programa a esquecer”. “Wisky puro”, coro: “Vodka, Vodka”. “Sangriaaaa”, coro: “Vodka, vodka”. “Vinho Maduro”, coro: “Vodka, vodka”. “Bagaceiraaa”. “Vodka, Vodka”. A guitarra retira um solo semi-distorcido, como se fosse o prenúncio do epílogo, mentira, continuamente ganha protagonismo à bateria, e por instantes e com a devida intromissão do baixo, citam Nirvana. “Wisky puro”, coro: “Vodka, vodka”. “Vinho maduro era da Andaluzia”, “era um cálice que eu queria”, “bagaceira”. “Vodka, Vodkaa”. Baterias + guitarra + “Vale Nunca”, “virou”, Jorge Romão atira-se com o baixo a tira colo, da coluna à esquerda dos espectadores. Introduz-se o sintetizador, a tingir a canção de uma tonalidade infantil, “logo ao nascer, é um grito mudo que tentar calar”, mais “crescer”, “MTV cérebro em fuga”, e o segundo refrão acutilante a encontrar a absolvição: “Olha para o que eu faço”, público: “Mais vale nunca mais crescer”. “Mais vale nunca mais crescer”. Solo da guitarra entre o rápido e o lento, solo de Jorge Romão com um pendor orgânico. Palmas. Sintetizador: “E mais vale nunca”, “agora é a doer”, e a banda cria um muro sonoro progressivo, que lhe subtrai a infantilidade, culminando num solo das baterias, que resultam numa jam, que engolem as palmas do público. Rui Reininho alicia Jorge Romão: “Se depois desta não das duas sem tirar, estás fodido! Jorge Romão quatro filhos!”. Tóli Cesar Machado entrega as baquetas a um fã. DVD GNR. “São camisas antigas, mais velhas do que muitos preservativos que andam lá em casa”. “Obrigado”. Rui Reininho, fala para o microfone à procura do seu interlocutor numa rede de estrelas, cometas internacionais, radares em forma de naves espaciais. “E o mundo vê”, o piano dedilha lentamente, “já parti e não voltei a pensar onde fiquei”, “lar”, violino, “mar”, slow-pop, com as harmonias de Liverpool, “mar”, um tratado eventualmente académico, “até doutor não sei porquê?”. O inconsciente a prolongar-se pelo consciente: “Já dancei onde parei”, solo do piano, “jobim”, violino, “hesitar”, progressão tropical-psicadélica: assobio: “Imagine”, John Lennon, mas a métrica da canção orienta-a para a divagação estilística de Bryan Ferry. “I`m just a jealous guy”. “Burro em pé” , segue o ritmo da sua precedente, com Tóli Cesar Machado na guitarra semi-acustica, insere os acordes dormentes, “vieste aqui para aprender”, “ar”, bateria, “calar”, o baloiçar é de uma cadencia, flutuante, “a pensar a dormir em pé”, a ordem: “Pára de mensagar”, do professor: “Esse piercing no umbigo é capaz de magoar”. Há um leve recrudescer do ritmo, que segue o teclado e a guitarra de Tóli, “vamos os dois para o castigo”, o teclado parece dedilhado por Paul MacCartney, “burro a dormir em pé”. Rui Reininho emite um urro interstelar. “Pronúncia do Norte”, é recebida com o público dividido entre as palmas e os assobios. “Lá do fundo donde eu venho”, se sois “torpe”, “manos ricos”, se for assim, “hemisfério traga outro forte”. New Max: controla os agudos, “aponta sempre para norte”, público: “É a pronúncia do norte”. Rui Reininho e New Max: “Mar”, o acordeão nem é marítimo ou rural, resume-se a uma alma que se abstrai como as paisagens de Turner. New Max: “Caminhos novos para andar”. Rui Reininho: “É a pronúncia do norte”. New Max: “Maaar”, “não tenho barqueiro nem hei-de remar”, é a confiança total nos astros que nos conduzem para o norte, onde estaremos a salvo da capital. O tempo não pára: Rui Reininho: “Corre o rio para o mar”, os acordes são pigmentados por uma angústia temerária. New Max, lidera, e Rui ausenta-se. “Lisboa vocês estão prontos?”, o slow do norte transfigura-se em funk, com a repetição dos acordes, sob os quais emana um break, “é a pronúncia do norte os tontos chamam-lhe torpe”, “norte”, “EAAAUAU”. Rap: “Contigo GNR. Contigo Jorge Romão. Contigo Tóli. Contigo Reininhooo”: “E!E!E!”, agudos: “OOOOOOO”. “Parabéns GNR! Muito obrigado Lisboa!”. Surge Rui Reininho: “Se vocês quiserem isto é sempre a subir! Isto não é economia, é hot. Esta é linda chama-se: ´Cais`. Levamos três da Académica”, o público responde com risos, “na hora da despedida”. Um intervalo de espera para resolver o problema que prende a bateria, por fim, o início de uma cadência de navio em compasso de espera para se afundar com uma carga venenosa, “quando o barco tem pés para andar”, e “só essas ondas vêem chatear”, liberta “para o crude limpar”, mas o centro onde se encontram os acordes revela um nascimento: “Lá no fundo imundo imenso sais, ó neptunias, sereias sensuais”. Público: “No fundo imenso sais, ó neptunias sereias sensuais”. A música sobe uma oitava mas mantém a cadência de naufrágio, “mar salgado”, “vai ver no cinema se ´Há Lodo no Cais`”, sobe o som do palco, “o mar salgado”, e o ponto de partida é o Cais das Colunas: chegada: “Muito cuidado atina, voltas ao cais”. “Voos Domésticos”, é um contínuo jogo de referências, que ao espelho surgem invertidas, “aqui”, violino, “num tapete mágico”. Há um banco de ar que perturba a respiração da delicadeza instrumental, “olha a turbulência é da tua ausência”, “acredita”, solo do violino, “em mim”, vem “jantar com o Rei”, o trinar da guitarra, “num gesto de avareza só pago a sobremesa… e talvez um caféee”, sintetizador. A incerteza que provoca angustia, canta para “a torre de control”, “fantasma”, “adivinha quem sou”, solo do violino, responde o teclado, solo do violino, baixo: “A turbulência”, “adivinha quem é?”, não responde: “Quem sou?”, violino. “Las Vagas”, psico-pop-head com um forte travo dos bombos e um baixo como uma infusão intravenosa, e um piano que está a jogar a sua vida num pocker pseudo-existencial: “Eu serei a gorda”, “tu serás a magra?”, segura o tripé com as mãos, liberta-se das amarras, e a progressão sugere energia electrostática: “Sou um peixe fora de água”. “Jorge Romão, agora só falta a sereia”, surge uma jovem com rosto imberbe e um olhar tímido, com uma indumentária puéril. Rui Reininho: “Estou aqui há mais de seiscentos anos e a cantar com os melhores”. O baloiço de “Únika”, é um romance de cordel, com as vogais alternando entre as fechadas e as abertas. Ela: “No musgo”, ele: “No teu cabelo, agulha no cabelo”. Ela: “Onde o sol se põe”, ele: “Tu és a única a dar gás, a rainha das marés”. Luísa Sobral, tem um timbre de virgem por dessacralizar, mas que se perde através das suas narinas. Ela: “Alhos”, ele: “A estátua de um martelo e uma foice”, a beleza dos acordes alegres quando sustentam a voz: “És a rainha das marés”. Luísa Sobral: “Sol”, “quando me pagam”, para se despir e exibir o seu corpo lívido a Balthus, solo do violino, e o ritmo de dois por dois prolongam a canção quase até ao fim. Rui Reininho: “A voz única”. “Popless”, fica somente a cargo de Luísa Sobral, o que é uma declaração de amor na voz de Rui Reininho, transforma-se numa canção para adormecer adultos. A guitarra de Tóli Cesar Machado, introduz os acordes e segue o ritmo da bateria e da respectiva caixa de ritmos, que lhe dão uma constante juvenilidade, “sem reflectir”, ela não, “ é um vício danado”, ela não, “passar”, ela não quer “jantar”, “linda”, pedal wha wha, ela não “mostrando interesse”, um sobe “outro desce”. As guitarras aumentam a sua densidade estilística, e revelam uma temperatura, que Luísa Sobral não: “Lá vem ela sabendo que é boa”, “que é boa”, swing-pop, “janela”. Surge, Rui Reininho: “POPLESESES”. “A kiss is just a kiss”. DVD GNR. O piano, indicia um lento entoar, “felizmente a noite sai”, público: “Felizmente a noite sai”. Rui Reininho incita o Coliseu: “Não há isqueiros?”, que se acendem e o transformam numa estância lúgubre. A certeza: “Se o amanhã perdido for”, pode ser “meu amor”, quando “as trevas vão demorar”, o baixo proporciona um gradual aumento da tensão, “se a luz se esvai” em sangue. “Se o céu se fecha sobre nós”, o holocausto, “se o amanhã perdido, overdoses de horror”, bateria corta a cabeça ao teclado, e o público dá as mãos a Rui Reininho: “Directa sim eu declaro morte ao sol” e nesse instante: “Aí vem a luz”, e os raios são emitidos pela guitarra com preponderância dos agudos. “Se o céu não fecha já sobre nós, revela cierta imagem atroz”, público canta com rui Reininho: “Directa sim, eu declaro morte ao sol”, “boiar”, Rui Reininho: “OOOO”, público: “OOOO”. 2X2, palmas, público: “OOOO”, pausa. Público: “OOOOO”, Rui Reininho: “NANANA”, público: “OOOOO”, Rui Reininho: “NANANA”, público: “OOOOO”: “OOOO”. Rui Reininho: “OOOO”. Rui Reininho agacha-se, e usa mesma gestualidade que os árabes utilizam quando, virados para Meca, para rezar, e declara solenemente: “Eu beijo a vossa terra, capital do Império, e o rabo das vossas namoradas também!”. A caixa de ritmos instiga as palmas, e o acordeão declara “Dunas”, mas o cantor e poeta sofre uma breve branca: “Não me lembro desta! Caraças!”. E joga com “as unhas são como divãs”, o calor não é só expresso pelo local onde decorre a acção, mas também pelas harmonias e o ritmo primário, “deitados nas dunas, alheios a tudo”, e depois de um banho no mar salgado, “pensamentos lavados”, “TV”, ainda criança “na idade dos porquês”. “Muito obrigado RTP! Que foi a única que nos apoiou! As outras… as rádios já não passam as nossas músicas!”, e desfere um manguito, “e já agora obrigado à Câmara de Lisboa e do Porto!”. A citação revista pelos olhos de um surrealista: “Hasta la victoria, siempre! Anarquia ou morte! É a minha opinião!”. Durante o “Inferno” do playboy Roberto Carlos, todos os convidados são convocados a cantar: “Eu quero que você me aqueça neste Inverno e que tudo mais vá para o inferno”. Guitarra eléctrica, “matéria principal”, as pegas na “luta na arena artificial”, “saltar”, “oculto sangue que tenho para dar”, é rock: solo da guitarra semi-distorcido, pausa, solo espacial, “saltar a fogueira”. “Sangue Oculto” é a revelação do rock, que de tão sintético é perfeito. “Espelho Meu”, é um constante abrir e fechar de estímulos auditivos, organismo de eterna sedução, break beat, palmas, teclado incidental, “subsídios”. O baixo de Jorge Romão confere-lhe um travo indestrutível, psicadélico, “nós somos inteligentes?”: a resposta: “Perguntem ao meu espelho”, sincope, break beat, “já são muitos anos juntos, frágil, contra tudo decidi”, a resposta: “Saber o que faço aqui? Saber o que é sofrer?”. “Perguntem ao meu espelho!”. Guitarra solo, teclado dá liberdade a um som de marimbas bêbadas de mojitos, e hipnose, essa é corrosivamente bela. “Na rádio na TV, nos jornais já ninguém vê, Portugal na CEE”, com duas guitarras semi-distorcidas e uma bateria rápida, libertam-na do seu carácter primata neo-rock. “Quanto mais se fala menos se vê”, “Queeeero veer Portugal na CEE!”. New Max: “OOOOAIEAAA”. Rui Reininho: “Sexta-feira em Albufeira, o mundo esteve para acabar, era tal a bebedeira”, que o “mar”, assente num 2x2, e os acordes agudos da guitarra eléctrica, precedida pela acústica de Tóli, é um soft-rock, “mas falta a tua confissão”: “É um buraco na Suíça, em Cascais e no Funchal” e o Rui Reininho tem o bom senso de gritar, “chamem a policia!”, não, sim, não, “ninguém vai levar-me a mal?”. E onde está a “confissão” do Alberto João? New Max: “Japão”. Rui Reininho: “Já nem sei em quem votei, onde fiquei, já não dou com o Dj”. GNR perfilam-se lado a lado com os convidados, e simultaneamente agradecem as palmas do Coliseu de Lisboa. Deixam para trás um rasto de silêncio amargo, os fãs ficam imóveis a aplaudir, na esperança de uma derradeira canção.

Voos Domésticos- Celebração dos trinta anos de carreira dos GNR, 19 de Novembro, Coliseu de Lisboa @ Lisboa