sexta-feira, 16 de agosto de 2013

D. Quixote de la Mancha

A caixa de ritmos dá pancadas no cérebro dos presentes, ausentes pela imposição da ignorância, que desde o nascimento ouvem as estátuas erigidas em nome do medo. Jorge Romão insere os acordes introvertidos de “Sete Naves” a sua pulsão dominante associado à síncope rítmica é constante e dilacerante e a guitarra wha wha de Tóli Cesar Machado conspurca-a com uma adejectivação anos oitenta. “Goodnight!”. A voz vê “um rio” e ainda “destroços de metal a flutuar”. O morto: “sinos sinetas ao acordar” o ritmo é contínuo e circular, o teclado assume-se dramaticamente, e a poesia: “vejo estes dedos metálicos frios vontade de enferrujar”, o ritmo é um simulacro da verdade: “São estas veias estalando” provocam uma densidade rítmica “paro de martelar” e o baixo de Jorge Romão “não são feitas para navegar” mas sempre “a do mar” a beleza “fundem-se com o ar” e num espasmo ou orgasmo “voltam-se devagar AAAAAAA” as teclas tétricas e oraculas “AAA” sobre o ritmo doentio emerge o solo da guitarra solo “nunca a do mar” e “elas vêm-se e voltam-se devagar”. Jorge Romão: “AIAIABOMBOM”. Rui Reininho: “Aguentam a violência de um beijo mas nunca a do mar”. Jorge Romão: “AIAIBOMBOM”. Palmas. “Bom dia! A batalha já está ganha”. A segunda canção da noite denomina-se “Sexta-feira (Um seu criado)” e corresponde a uma métrica alicerçada na progressão rock da guitarra solo e é “Sexta-feira em Albufeira” com a bateria a revelar uma vertente tipicamente rock and roll a poética é naturalista: “Era gente tão foleira que ninguém sabia onde era o mar”. E a melodia reza: “Falta a tua confissão”. A guitarra solo mimetiza e sintetiza os acordes do refrão “faltei eu ao beija mão” e a continua desorientação do sujeito poético revela que ingeriu substancias tóxicas porque “já nem dou pró Dj”. Palmas: “Obrigado senhores e senhoras e meninas e meninos, não se vão já embora que não é hoje que mudou a hora”. Palmas: “Podem bater mais forte que isto não é o Festival da Canção.”. A pop ensimesma-se por culpa de teclados repetitivos mas doentiamente primaveris acusando um dia em que a noite chega tardiamente, a guitarra acustica de Tóli Cesar Machado acentua essa perspectiva e a voz de Rui Reininho narra que adora “todos os bichos do mato” como se fosse uma determinação de um Deus cego com hábito de irresistivel pureza “efectivamente ici é diferente” a natureza floresce coabitando com “ratos do esgoto” que “como se fossem mafiosos convictos habituados a controlar”. Jorge Romão: “Lálálálá”. Solos curtos e agudos da guitarra de Andy Torrence. Jorge Romão: Lálálálá”. Rui Reininho dança e canta “efectivamente gosto de aparencias sem moralizar”. Palmas. “Muito obrigado por passarmos juntos esta noite é muito lisonjeiro”. Aponta para um elemento do público e convida-o a “buscar uma rapariga para dançar”. Anuncia “Tricana” um espelho de água onde se inscreve um ritmo dolente “sobre os sérvios e os croatas”, os acordes correspondem a uma luz que alumia o coração que em cada pulsação corresponde a “tirar à sorte e dar” a voz fixa um ponto no escuro de onde jorra uma água luminosa “foi muito sedutora” e criminosa: ostenta uma arma que “atira para o ar sem o intuito de acertar” e o retrato da figura humana surge na conversão de “3-2-1 é só subtrair aprender a dividir para poder reinar” e o rasgo de carácter “Tirana é sincera mas só por um momento” a melodia constantemente e concisamente soturna e luminosa. “Espírito de investir” de se saciar das almas alheias e o bombo marca a progressão tétrica e bela lenta “2-3-6 para poder reinar” , “para poder reinar” surge o hammond a expirar uma celebração fúnebre “3-2-1 é só subtrair”. Palmas. “Boa noite rapazes e boas raparigas”. “Video Maria” é construída a partir do ritmo duplo da bateria, o hammond pronuncia-se através de uma frequência soul kitsch mas Jorge Romão recoloca-a numa discoteca que transpira a estrógeno e é através destas três perspectivas que surge o “big Picture”: “Península inteira a chorar”, a mulher de corpo de santo mas alma “como um círio cintilante” tem o poder de um “anjo fumegante” e o baixo pulsa sexualmente “há um profundo desejo divino a crescer” e as testemunhas da ficção: “Os santos do altar devem tentar compreender” e procurar uma justificação para a Maria “estará a meditar?” e as vogais demonstram que goza de um prazer carnal “Aiui” e o teclado insurge-se a impor receio “atirem-me água benta”, “desconjuro-a”, “atirem-me água fria “, a cegueira que institui o amor: “Por ela assalto o BPN”. O encaixe de bateria/baixo é viciante por impor a dança das ancas “assalto a caixa de esmolas” para comprar uma ínsula com uma escrava que é “virgem ou não?”. A sexta canção “Morte ao Sol” é iniciada pelo piano e com o cacarejar de um galo sobre o telhado de uma casa com azulejos com a inscrição: “Felizmente a noite sai”, o solo de Torrence a afunilar a vertente de pré-explosão e a escavar na veia uma dor aguda “se a luz se esvai” e será irreversível “se o amanhã perdido for” os breaks da bateria conferem-lhe um adensar do dramatismo inerente a “metamorfoses de pavor” o poeta da bela figura canta: “Meu amor” e declara solenemente aos pés da ninfa mais formosa, enquanto os GNR sublinham uma tragédia inscrita nos acordes densos “Directa sim eu declaro morte ao sol.”. A voz grave: “OOO aí vem a luz” o mal que nos irá cegar para impedir ver o futuro sem medo, que paralisa os portugueses fruto de morte prematura de um pai tirano. O solo agudíssimo de Torrence abre o dique que sustinha o sangue nas artérias e inunda o organismo “O céu não fecha já sobre nos revela sierta imagem atroz.”. O sétimo tema é constituído por uma programação analógica que ganha relevância progressivamente com a cumplicidade de Baixo/bateria, secundada pela guitarra que desenha os acordes melódicos que a dominam, e o sintetizador polvilha-a com adjectivação anos 80, “Rei da rádio dá-me a voz” e o jogo de espelhos inibe o espectador de dividir a pessoa da personagem que o Rui “Rei da pop compõe para nós” personifica: “Rei do rock morreu por nós”, o ritmo é progressivamente mais pesado mas simultaneamente convida a que os corpos dancem, dancem, dancem sobre o túmulo constituído por “cidades tão iguais” com habitantes a dedilhar um rosário de “indiferentes orações.”. Reininho apresenta o “autor compositor e interprete António Machado, mais conhecido por Tóli.”. A oitava canção “Unika” versa sobre “aquecimentos proibidos” com a preponderância dos teclados e a bateria a usar o bombo como um ponteiro de um relógio de uma igreja soturna, o objecto da perdição é composta por “casca de carvalho”, é, “és a uninka a dar gás a rainha das marés” a melodia não rejeita uma apropriação do cânone inscrito pelos Beatles. “E acordo coberto de pêlos.”. “Foste de mota até Góis e só tens estes sóis”. As tonalidades timbricas adensam-se: “como que fantasmagórica” a guitarra impõe-se através de um solo hard and rock relegando-a para o patamar denominado de épico. Palmas. “Obrigado” e que tal “fazerem um casino no Mosteiro [da Batalha]? Já vi ideias mais estupidas a serem aprovadas!”, e o casino chamar-se-ia de “Sixteen”. A guitarra semi-distorcida entre corta o ritmo analógico projectando uma disruptiva sonora e a voz de Rui Reininho é o elemento unificador, o centro que acentua um discurso subjectivo “a inundar de ouro a mina (eco)” e o convite de uma “roleta russa aceita apostas” o rock (analógico) mantém a sua métrica roll “perdes todos de quem gostas”, “e então Batalha?”. “ E eu serei a gorda”, “a cabra cega”, “fui andar de voga mas não havia vaga” o ritmo acelera e é percorrido pela guitarra eléctrica e “eu de foca de licra” Reininho dança num salão de um palacete neoclássico: “Um peixe fora d`água.” . O rock and roll emerge como “uma cobra fora d`água”. Palmas. “Obrigado!”, e Rui Reininho avisa: “A próxima têm que ouvir.”. A guitarra de Torrence desenha sub-repticiamente os acordes exóticos de “Ana Lee” e que gradualmente revelam uma ínsula habitada por um Rei: “Eu bebi sem cerimónia o chá” e a expurgação de um hálito quente e doce “senti as nossas vidas separadas”, Reininho apela pela “Ana Lee” sua Dulcinea del Toboso. A métrica kitsch confisca um ritmo pop perfeito na sua profunda abstracção, “Lotus azul nada de novo”, o horizonte do castelo do Rei: “Triângulo dourado.”. “Trono de jasmim.”. Reininho não esquece os “ponta de lança da Selecção Nacional.”. A décima primeira canção “Asas” é um slow com a temperatura ambiente do interior de um corpo sexualmente activo pelo surgimento da menstruação, a voz suave e sedutora: “mil casas no ar”, a melodia recrudesce a intensidade como uma penetração no útero mais recôndito “não te esquecer”, o dedilhar da guitarra acústica de Tóli Cesar Machado corresponde às unhas de gel de uma gata sobre o papel de parede. “Da paixão que te roer é um amor que vês nascer.”. A utopia associada a um amor eterno: “Não há leis para te prender.”. A promessa: “Aconteça o que acontecer.”. O hino do norte “Pronúncia do Norte” encontra o seu leito através do dedilhar do piano de Amorim a voz surge como um espectro que vê “a bússola não sei se existe aponta sempre para norte.”. A certeza que é o Douro a salivar: “Se é uma pronúncia de norte” piano intenso ao intensificar a sua omnipresença “corre o rio para o mar (eco).”. O acordeão de Tóli Cesar Machado pronuncia-se a mimetizar uma correnteza presa às margens de Portugal: “Corre o rio para o mar e há pronúncio de morte.”. Quando intercede a bateria o rio ganha uma textura rude e doce. A eterna e perniciosa saudade: “E as teias que vibram nas janelas esperam um gajo parecido com elas.”. Rui Reininho: “Obrigado por esta vida maravilhosa” e junta as mãos como um samurai disposto a festejar trinta e dois anos de GNR. A secção rítmica erige um continuado e progressivo descolar de um ritmo aparentemente programado: “Quando um barco tem pés para andar”, a métrica rítmica institui o dois por dois sobre os quais as guitarras se misturam cativando a melodia promovendo-a à qualidade tímbrica de um sol radioso aos olhos de um anestésico. “Lá do fundo mar imenso imundo saís”, “cais”. “´ Se há lodo no Cais`” com os teclados a polvilharem-na de uma lullaby inesperada aos ouvidos de uma criança, o solo agudo de Torrence desperta-a “sereias censuais”, “escorregas sempre cais.”. Rui Reininho discursa: “Não vou votar na Angela Merkel não gosto daqueles casaquinhos” e coloca as mãos abertas sobre o seu peito e desloca-se como a Chanceler alemã, o público ri. “Popless” é iniciada por uma pulsão da secção rítmica, destaca-se o baixo de Jorge Romão, “velho hábito aspirar o ar” perfumado pelo perfume de Ana Lee “vê-la vibrar” , “se ela deixar”, “Lá vem ela sabendo que é linda”, o seu charme revela “interesse” a introdução da componente analógica exprime os acordes circularmente “PoPLess (eco)” o baixo é a persona que se impõe através da sua incapacidade de instalar o espaço vazio, é intencionalmente viciado na simplicidade desconcertante. “Dunas” o acordeão de Tóli Cesar Machado sobrepõe-se à programação rítmica e é apresentado como sendo a “Sandra [Baptista] e o seu acordeão”, as palmas escasseiam e Rui Reininho cita um colega com o nono ano de secundária: “O David Fonseca tem razão Isto é mais fácil em inglês.”. “Patchi wari Patchi wari”, Rui Reininho incita o público: “E quem não salta…”, G.N.R saltam e o público imita-os. “Eu sei que hoje é o dia da Nossa Senhora; e eu já fui a funerais mais animados!”, ri e desfere: “Não é verdade!”. “Vamos cantar uma em espanhol. Esta é uma canção do hijo Iglésias e do hijo Carreira!”, o público ri. A guitarra de Torrence delineia os acordes agudos de “Oculto Sangue”, sobre uma métrica que corresponde à estética rock and roll “é uma barragem uma fronteira”, “sem correr e sem saltar”, “as flores são como sangue”, “sem correr e sem saltar oculto sangue que tenho para dar”, Jorge Romão ensaia diversos saltos sobre o palco, e o rock ganha um ritmo acelerado consentâneo com a guitarra a expurgar solos hard. “+ Vale Nunca” melodicamente é doce por imposição do sintetizador a mimetizar um chilofone que prenuncia que irá nascer “um bicho novo para limpar” a guitarra grave insurge-se “mais vale nunca”, “mais vale nunca mais crescer.”. O balanço rítmico aprofunda e liberta a lullaby “cérebro em fuga”, solo curto e arguidíssimo, Rui Reininho dança acompanhado por um regimento de fantasmas. Solo da bateria e consequente intervenção de Jorge Romão e a adição dos acordes da guitarra acústica de Tóli Cesar Machado: “Nada mais querer”, sample de chilofone, Jorge Romão: “Mais vale nunca”. Rui Reininho: “Agora é a doer.”. Palmas: “Obrigado por esta noite maravilhosa!”, e sublinha: “Ainda bem que o Papa perdoou os padres. Os crimes já prescreveram!”. “Quero Que Vá Tudo Pro Inferno” do brasileiro Roberto Carlos é acelerada pela métrica da guitarra de Torrence o fio condutor a projectar os acordes típicos da década de setenta do século passado com uma contemporaneidade rock. GNR descarregam os decibéis do rock and roll tropical e “que tudo o mais vá pro inferno.”. Jorge Romão sobe para uma coluna central-recuada, segura com a mão direita o braço do baixo, Rui Reininho ergue o braço direito na sua direcção a marcar o salto do tigre, salta para o centro do palco, a bateria amplia o atrito. Palmas. “Respeitem os animais e as crianças que nós também.”.

GNR, 15 de Agosto, Festas da Batalha @ Batalha (Dedicado a Tóli Cesar Machado, Rui Reininho e Jorge Romão)