domingo, 21 de dezembro de 2014

Textos Malditos

Os próximos convidados dos D3Ö são “os nossos amigos A Jigsaw”, “um caloroso aplauso para os A Jigsaw”. Palmas. Os A Jigsaw são uma dupla máscula constituída por João Jorri e de João Rui e este último queixa-se: “Faria para o ano dez anos que eu cantava sentado”, numa cadeira onde dedilha uma guitarra acústica e canta as suas baladas neo-negras, “mas estes gajos!” impediram-no de alcançar essa proeza e somente por isso os D3Ö mereceriam uma placa com o seu nome numa rua transversal à rua direita. “Night Before” é marcada por variáveis egocêntricas por parte do teclado de João Jorri, as guitarras dividem-se metricamente: uma é dantesca a outra convertida a um Diabo desconhecido. A voz de João Rui é grave e funda “fever”, o teclado de João Jorri anula-se para deixar as guitarras vaguearem como um unicórnio bicéfalo. “Strange guy”, “I have to try” , o solo do hammond é de facto pernicioso por evocar uma beleza inalcançável. Após a pausa o quinteto mistura-se e promove um caldo pronto a ser injectado numa veia azul, “I say yeah”, “it`s true”. Os A Jigsaw mantêm-se no palco juntamente com os D3Ö: “Lá ao fundo percebem o que eu digo?”. Em “Take this Love” o ritmo é quatro por quatro e a guitarra eléctrica de Toni Fortuna introduz os acordes que gradualmente a dominam com um torniquete torturador com a cumplicidade da guitarra eléctrica de Tó Rui. A voz de João Rui é funda: “for me”, “for me”, o recrudescer do ritmo ergue uma estrutura Rock and Roll, “why they say?”, e o teclado de João Jorri é pontual a emergir da rugosidade rock, “all the boys and the girls”, a constância rítmica emoldura a voz de João Rui, “hold you tight”, “no matter what they say”. Para anular a “frustração da redução de pessoas em palco, vamos chamar um outro trio, senhores e senhoras os Birds Are Indie”. “Uma salva de palmas para estes três senhores”, um dos quais é uma jovem tímida que se ocupa do teclado, um outro da guitarra acústica e da voz e ainda há quem empunhe um baixo eléctrico. Em “On The Age” o tempo que é estabelecido pela bateria de Nito é Pop, a voz é a de um jovem tristonho perdido propositadamente no caminho para casa, “standing all day”, o baixo eléctrico tonifica-a com uma profundidade Pop e o teclado é apenas um fantasma sóbrio. “Over my skin”. A contenção dos D3Ö sustenta a delicadeza das harmonias dos Birds Are Indie e evitam que “On The Edge” vacile numa melancolia Pop e desta relação há um fogo preso eternamente belo. Palmas. Ricardo Jerónimo dirige-se directamente em voz alta ao público: “Queríamos agradecer aos D3Ö por nos darem a possibilidade de gritar em palco”. Em “Wanna Hold You” são os Birds Are Indie que se impõe através de uma melodia frágil com a cumplicidade da bateria de Nito, que pontualmente é corrompida pelo solo da guitarra eléctrica de Tó Rui. A voz pertence à de Joana Corker: “Talk”. A resposta de Toni Fortuna: “Excuse me?”. Quando “Wanna Hold You” se encontrava em vias de ficar presa a uma monotonia Pop os D3Ö injectam no dreno uma vertigem rock pulverizando os Birds Are Indie. Toni Fortuna encarna num psicólogo rock: “Ninguém tem problemas?”; “a próxima música chama-se ´Too Late`”, e é a segunda e penúltima a ser executada exclusivamente pelos D3Ö. A pontuação da bateria de Nito é quase omnipresente e estabelece uma falsa progressão, as guitarras reviram incidentalmente as cordas e gradualmente impõem-se. O bombo bombeia um passo largo com a flutuação ríspida da guitarra eléctrica de Toni Fortuna sublinhado pelo solo preciso da guitarra eléctrica de Tó Rui. O encurtamento do ritmo oferece um minimalismo rock que perseguido pelas guitarras, “too late”, a comprometem com a usura do rock e isto oferece-lhe um carácter de originalidade. O solo da bateria de Nito confere um assomar de um efeito épico mas que rapidamente é vilipendiado pelas guitarras eléctricas em galope de sangue a inundar o coração. “Too late”. Palmas. Quanto a “Ai Caramba” , “é a primeira vez que a vamos tocar em público”, e para tal convidam o trompetista, “uma salva de palmas para Daniel Tapadinhas”, palmas. As guitarras eléctricas inserem os acordes semi-distorcidos e a trompete de Daniel Tapadinhas soa exoticamente como um shot de mescalina para matar de vez com a consciência ao extorquir-lhe uma alucinação incontrolável, os bombos ressoam à laia de passos de um gigante em vias de extinção. As guitarras repetem as credenciais de um rock profundamente comprometido com uma alienação ditada por uma sociedade alcoolizada. O solo da trompete de Daniel Tapadinhas é o epicentro de um terramoto que nos transpõe para um bar com música de mariachis desterrados de um México onde reina o narcotráfico. “Ai Caramba”. Os D3Ö são os transmissores de uma alegria desmedida alicerçada num absurdo em que eclodem para dominar as fronteiras que regem o Rock and Roll. Daniel Tapadinhas remonta através da sua trompete para um universo bafond chicano e as guitarras revelam-se consequentemente distorcidas, uma das quais emite um solo rock and billy e a bateria de Nito concede uma violência contida. “Diable”. Palmas. Toni Fortuna declara: “Vou tentar cantar a próxima música. Chama-se ´Make It`”. E não dispensa a trompete em surdina de Daniel Tapadinhas que procura revelar-se através da massa sonora repetitiva que as guitarras eléctricas dos D3Ö expelem em bloco, “Make it”, o desenvolvimento desta relação é contínua com Nito a suster os três músicos como se fosse um tapete voador repleto de ervas daninhas. “I want to do it”. A surdina da trompete de Daniel Tapadinhas procura imiscuir-se na vertente rock das guitarras mas a natureza do seu timbre inculca-lhe uma introversão (in)esperda. “I want to do it”. A bateria ergue-se e epicamente alterna com a surdina de Daniel Tapadinhas e os D3Ö encaminham-se alegremente para uma autocombustão desmedida. Para “2Day” Toni Fortuna convida “Raquel Ralha”, palmas, “queria agradecer aos D30 por estar aqui a rockar”. A lógica que a bateria e as guitarras eléctricas estabelecem é o da acumulação de cordes debitados em frequências alternadas. A voz de Raquel Ralha é doce: “Looks fine”. “My way”. “I say today”. As guitarras criam uma malha perturbadora mas simultaneamente sedutora, a voz de Raquel Ralha “shine” mas não rejeita o seu parceiro que a quer abandonar ao abandono, “I say today”, há um recrudescer rítmico dos D3Ö cúmplices com a cantora e sublinham uma estrutura Rock and Roll, “I say today”. Palmas.Toni Fortuna determina que seja “Raquel Ralha” a cantar “Croos The River” e a “Paula Nozarri vai fazer mais uma participação” e apropria-se de um teclado. O ritmo lento da bateria de Nito é inicialmente perturbado pelo jogo ríspido das guitarras eléctricas. A voz da cantora Raquel Ralha é de um timbre quente: “If I can make you happy”, e os D3Ö impõe um Blues atípico, “I can do”, quando surge a vertente rock Raquel Ralha é insensível à dor emanada pelas guitarras. “I can climb a mountain”. Há uma leveza no seu canto que é profundamente sedutor, Raquel Ralha: “Up”. Toni Fortuna: “to the sky”. Um solo arrepia o Blues que remonta empiricamente para o rio Mississippi que espelha um céu clarividente. “Cross the river”. Palmas. “A próxima chama-se chama-se ´Go`” e conta com Paula Nozzari na bateria e com Nito de formação totémica na pandeireta em pé entre Toni Fortuna e Tó Rui. A violência da bateria de Paula Nozzari é um composto determinante para libertar as guitarras numa loucura desenfreada, “I say go”. Sobre a potência rítmica as guitarras progridem em bloco mimetizando o famoso Wall of Sound inventado numa noite toxicómana por um assassino amigo dos Beatles, quando se canibalizam repetidamente, “I say go”. O solo de Tó Rui é um flash de heroína, a bateria reverbera num pulsar de coração alimentado com sangue poluído com pó, “let me”, pausa, “I say go”. Palmas. Toni Fortuna é o psicólogo das massas cor-de-rosa: “Não sei se algum de vocês tem problemas de coração?”. Para “God Knows” convidam Sérgio Cardoso que empunha o baixo eléctrico. Os D3Ö encetam uma estética virulenta, mas o baixo eléctrico de Sérgio Cardoso afoga-se no pantanal decibélico das guitarras, “I have to tell you a secret”. “Say”. Coro: “God kowns”. O solo da guitarra eléctrica de Tó Rui é em crescendo agudo, a bateria de Nito comporta-se como um louco que descobre que a sociedade é um manicómio, o solo em crescendo mantém-se, e a persecução da progressão dos D3Ö associa-se a uma fábula na qual fornicam diabos com hermafroditas. Palmas. Sérgio Cardoso mantém-se em palco juntamente com os D3Ö para tocar “Couldn`t Care at All”. A pontuação acelerada da bateria do monstruoso Nito suporta a aceleração das guitarras semi-distorcidas de Tó Rui e Toni Fortuna e este assegura um solo Rock and Roll mas pigmentado com vermelho negro. “Do it!”; “shake it”; “do it”. Pausa. A demência apodera-se dos D3Ö que não encontram cumplicidade no baixo eléctrico de Sérgio Cardoso, o delay da guitarra eléctrica de Toni Fortuna sobrepõe-se à violência rítmica de Nito que não se subjuga à agressividade da rugosidade das guitarras. Palmas. Sérgio Cardoso continua no palco do Salão Brazil a acompanhar os D3Ö para tocar “Say you Will”. O ritmo binário é potente e sobre o qual as guitarras distorcidamente actuam repetitivamente, “kown”, “ask you”, os D3Ö sustêm as notas, “no way”, “I say you will, I say you will”. Há uma detonação do epicentro dos D3Ö que é rápida e violenta, com uma incisão a sangue frio efectuada pela guitarra solo de Tó Rui. “I say you will, I say you will, I say you will”. Toni Fortuna: “A próxima música nunca foi gravada” e para “Nova Blue” convidam “o senhor Gui Barbosa”. A lógica instituída pelos D3Ö é o Blues com a devida memória sonora instituída pala harmónica de Gui Barbosa, “no”, “I love you”, pausa, “I`m in love with you”, “I love you too”, a harmónica de Gui Barbosa sopra um timbre de metal cromado e o ritmo ganha uma celeridade consistente. Toni Fortuna em regime de spoken word: “bad temper”. E ainda acrescenta: “É um prazer estar aqui com todos vocês”, palmas. Para a penúltima canção “Junior Dady” a bateria de Nito impõe-se através de uma cadência binária, Tó Rui ergue as mãos e bate palmas que são acompanhadas pelo público, os acordes das guitarras eléctricas introduzem uma rispidez de grão de cocaína, “yeah”. Toni Fortuna divide-se em duas personagens vítimas de bipolaridade surge um demente de olhos salientes, a sua boca liberta a língua que anarquicamente se exibe aos presentes, aumenta a altura e consequentemente a violência libertada pelos D3Ö, “inside my head”. Após a pausa o trio de Coimbra acelera virtuosamente como uma bola de speedball, “man”, Toni Fortuna está algures a subir para uma cadeira e a verter a sua esquizofrenia e quando salta explodem as personagens numa erupção que expele uma saliva viscosa de belladonas. A tensão é crescente com o solo de Tó Rui a imiscuir uma luminosidade rasteira mas épica, e os D3Ö transformam-se numa confederação beligerante que impõe a bomba atómica como futuro para a sociedade ocidental. No último tema Toni Fortuna convida para subir ao palco os convidados que o transformam em algo minúsculo e em conjunto encerram festivamente o concerto: “D3Ö and Friends”.

D3Ö & Friends, Love Binder Effect, 19 de Dezembro, Salão Brazil @ Coimbra