Estão dois Robots humanos nos respectivos teclados, atrás dos quais se encontra um ecrã, e os sons que emanam são profundos mas simultaneamente leves. A programação festiva é tolhida por uma melancolia decadente que é introduzida pelo teclado, surge Tracy Vandal de vestido com lantejoulas até aos joelhos, é magra e o seu rosto é de um esmalte claro com lágrimas sob as pupilas, a sua voz é melodiosa: “Take me in my arms”, é alegre “of the night”, e festiva quando determina “free and nake”, os Robots estão isolados dos distúrbios românticos de Tracy Vandal, “moon”, e quase num sussurro: “like we dance before”, num eco: “night”. Tracy Vandal desloca-se para o ecrã e os Robots sustêm o negrume da melodia e quando as cores se revelam trazem consigo raios que perfuram nuvens brancas carregadas de algodão doce cor-de-rosa. O canto de Tracy Vandal é o de um corvo que assinala a chegada da Primavera “we ran free and nake”, e o pássaro ganha corpo de ícaro que esvoaça em direção da lua cheia e canta: “straight to the stars”, “where we could run free and nake just you and me”. Palmas. Tracy Vandal ironicamente deprecia o “Karaoke” do Rei de Coimbra a Capital do Rock, Victor Torpedo que nesta narrativa representa a beast: “I`m not Vic and Karaoke! I`m Tracy Vandal!”. As teclas impõem um andamento pausado e a voz de Tracy Vandal é diáfana “off this city”, a profusão das programações mergulhadas numa progressão de nevoeiro assassino emolduram um filme absurdo que é projectado no ecrã. Tracy Vandal confidencia como se estivesse como interlocutor David Foster Wallace: “In this quiet hill none can hear my scream”, e um punhal perfura o peito de um imberbe virgem, o ritmo que liberta as máquinas é cadente e consequentemente opressivo. A ode à morte é perpetuada no verso: “and I want slowly fade away”. Os teclados rejeitam uma melodia aparentemente e paradoxalmente alegre mas que na verdade representa a luz post-mortem. O canto de Tracy Vandal é aveludado: “I wash until they fall into the night”, “I won`t be their to catch me”, desloca-se para a frente do ecrã, as programações ganham um dramatismo épico, de costas para o público abre os braços com os quais desenha uma cruz e das suas mãos chagadas pinga um sangue vermelho tinto, quando se aproxima do tripé na boca de cena canta através do microfone: “to catch you”, “circles around my eyes”, os robots impõe um crescendo arrepiante entre o filme negro e o musical de Hollywood, “I wash as you fall into the night”, a promessa é cantada por entre o lirismo tecnológico: “I won`t be their catch it”. Palmas. Tracy Vandal confidencia à pequena multidão: “I forgot to explain. First you fall in love and you get him. Second you get into pressure. Third you go to the beach and you want to die. This song is call ´Once a Sunset`”. As máquinas apropriam-se de um ritmo pausado, a voz de Tracy Vandal expele as palavras lentamente e penetrantemente: “Where I can hear you?”, “every piece of me, try not to try a smile”. Quando o refrão é repetido quatro vezes: “I remember once a sunset”, e a voz relata: “and I fall in the floor”, a melodia exalta-se inserindo um kitsch Pop, “anymore”, “somehow more than I can tell”. A Tracy Vandal descreve-se, “I remember once a sunset”, as programações mergulham no mar morto onde flutuam obrigatoriamente os corpos vivos ou mortos, brancos ou verdes e inchados com os olhos salientes das órbitas. “I can feel”, ouve-se o metal a bater no metal, “for me”, como se fosse o ritmo de uma dança fúnebre numa sociedade pós-industrial, “I can fell a darkness”, a batida dos ponteiros marca a passagem do tempo psicológico, “take my soul away”, a voz de Tracy Vandal é de um cisne branco pintado por Henri Rousseau, “my soul away”. Palmas. A quarta canção “was written by me and João Rui”. Os sintetizadores emanam dos teclados uma melancolia que se expande levemente, mas Tracy Vandal desconcentrar-se acidentalmente: “Sorry can we start again? I fucked up because I wans`t hearing” os Robots param e retomam a métrica inicial: o da esquerda insere os sons flutuantes e o da direita as notas de um piano melancólico. Tracy Vandal canta como se estivesse a contar uma lullaby, “I hear a voice”, “of this words”, a relação entre piano e sintetizador encontra uma expressividade dramática, “across the moon”, a voz ecoa, “was a strong”, o piano mantém a melodia outonal, “into the night”, “last time I remember”, “away from this world”, “across this room”. Palmas. “Thank you! Who do you want to kill? This next song is ´X Codes`”. A programação dos teclados é ascendente com um beat digital, “you have to kill your sadness”, a voz de Tracy Vandal revela uma angustia urgente, “my soon”, o ritmo digital é mais intenso como se fosse o tempo psicológico estivesse dominado pela ansiedade, “is a heart to follow, I will crash your sorrow”, “please stay”. Os Robots lançam uma cadência festiva de parada gay e a voz de ordem de Tracy Vandal é alta e consequentemente sobrepõe-se aos beats: “There`s only one way to get me”, as programações contém-se, “directions”; “a kiss is all that I want”, e por fim os robots ejaculam, “directions”, “a kiss is all that I want”, há uma ascendência rítmica promovida pelas programações, “and roll on the floor”, surgem a densidade cromática e as palavras determinadas, “we have to work it out”; e durante o beat Tracy Vandal é peremptória: “A kiss is all that I want, a kiss is all that I want, a kiss is all that I want”. Palmas. Tacy Vandal: “I`ll do the favor of not talk in portuguese”, “this song is call ´Fake`”. Os Robots impõe um ritmo curto e acelerado de discoteca de Ibiza onde dança sobre as colunas o Homem Aranha, “try to forget”, “try”, “remember”, a discoteca está comprometida com a lascívia que emanam das mulheres nuas. “You wish you where dead”, “so go go, I feel sick”, “so go go, up your face”, as programações revelam uma densidade de happy hour, “you are”, e o beat é promiscuamente kitsch, “that song you have to give”, no ecrã surgem figuras a preto e branco a contrabandear E, “go go”, “up your face”, “I get sick”. Palmas. “This next song is a very quiet song”; “It´s call ´One Second`”. A programação suspende-se como se fosse uma alma a emanar de uma recém-nascida e o teclado é cadenciadamente e melodicamente depressivo, no ecrã surgem vultos negros, a voz de Tracy Vandal é o de uma menina que vê o seu mundo a diminuir e o seu corpo a crescer e que alimenta o amor platónico por um anjo gótico, “one second to hold you”, “no matter”, o teclado sobrepõe-se à narrativa e cresce uma melancolia embebida num lago de cristais negros, “one second to hold you”, a programação irradia uma coloração de cadência dormente, “it doesn`matter ooo”, o teclado insere as notas de insulina e a programação adormece a menina. Palmas. “This next song is call ´If You Forget Me`”. O teclado grave e repetitivo é pontualmente polvilhado pelo sintetizador, Tracy Vandal olha para o seu reflexo: “you are fine to me”, “beautiful face again”, o teclado imita o timbre do cravo e oferece à canção uma espiritualidade Pop kitsch. Tracy Vandal canta lentamente: “pictures”, “streets and doorways”, sobre a densidade quase operática imposta pelos Robots. Palmas. “Last song”. “If you don`t go home and kill yourself”, “this song is call ´Last Take`”, “this song is about to die”. “Thank you for coming everyone”. A programação negra e profunda é acompanhada pelo teclado de melodia Pop, mas Tracy Vandal pede: “We are going to try this one again”, os robots param as suas maquinas psiconautas. Por fim retomam “Last Take” e a melodia que transcrevem é o namoro de um corpo com a sua alma, “the desire to die came from nowhere”, “the desire to die”, no seu canto há uma volatilidade que impregna o Salão Brazil de um esoterismo fúnebre, “and nothing”; “she belongs to anyone” os Robots são narradores flutuantes e a voz é delicada e sincera como um sussurro pecaminoso: “but the only words she could say was ´last take`”. Palmas.
A próxima estrela da noite é Victor Torpedo que sobe ao palco do Salão Brazil vestido de fato escuro e luvas de cabedal pretas como é apanágio de um mafioso prestes a cometer um crime banal. As colunas debitam uma música dançável e no ecrã dançam jovens, Victor Torpedo canta e prevê que “you are so dead”, as guitarras eléctricas e do baixo eléctrico derivam do movimento Madchester, “so dead”, a repetição dos seus acordes convidam à dança e o seu mais ilustre representante é Victor Torpedo, “ignore the city”, meneia as ancas antes de cantar os versos punks: “I`m sick of the city, I`m sick of the world”, dança absurdamente ao ritmo das guitarras e do baixo + bateria e do sintetizador que gingam alternadamente. A segunda canção é iniciada por uma pergunta de Victor Torpedo: “Tá tudo bem?”. A pulsão do baixo eléctrico é o elemento que conduz gradualmente para um groove ciber-kitsch, “to go”, o microfone parece que esta a ser arremessado contra o chão e daí resulta um estoiro metálico. Victor Torpedo revela a selva em que estamos inseridos: “People kill people”, “die”, o groove toma conta da consciência dos presentes através da sua festividade repetitiva com a devida disruptiva promovida pelo sintetizador, “People kills people”, “die”. Antes da terceira canção, Victor Torpedo sentencia sobre a beauty: “A Tracy não canta nada, eu é que canto melhor!”. Os sintetizadores introduzem uma melodia alegre, “dream about life”, Victor Torpedo no meio do público beija um dos espectadores, “like you and me”, há um solo de uma guitarra eléctrica alicerçada num ritmo binário, a festividade Pop domina-a como se fosse um fugaz encontro entre o homem e a felicidade, “like you and me”. Victor Torpedo aproxima-se do público, “like you and me”, “full of dreams”, “about life”, empunha o microfone a um fã que canta: “About life”. A quarta canção tem como princípio o riff de um baixo eléctrico e o sintetizador polvilha-a de uma vertente puramente dançante. No ecrã está um homem musculado seminu a fazer inchar os seus músculos picados por seringas hipodérmicas com hormônio do crescimento. “Loose control”, “they are calling for us”, os sintetizadores revertem-na para um travo de danceteria decadente da década de noventa, “happy in this land”, “loose control”, solo da guitarra eléctrica e do baixo eléctrico convergem para um madchester rock and pop-roll, “people care about”. Das mãos do homem musculado verte um sangue de poupa de tomate. Palmas. A quinta canção tem a premissa do baixo eléctrico que é preponderantemente pontuada pela caixa de ritmos, “go to a place that I konw”, Victor Torpedo despe o blazer, “people to bite”, surgem samurais no ecrã, “I know”, a melodia é Pop com assomos de um low beat contínuo que enfurece o Rei da Capital do Rock: “you control me”. A sexta canção mistura as programações com o baixo eléctrico, “their`s a way”, a voz de Victor Torpedo tem os trejeitos de um crooner sem abrigo, no ecrã surge Elizabeth Taylor no papel Cleópatra num palácio dourado que se derrete com os raios do deus Sol, “crime”, que recusa “a life of crime”, a Pop é um estado de alma profundamente decadente. Palmas. O Rei de Coimbra é um rebelde: “A minha mãe, desde os meus catorze anos, que diz que eu não canto um caralho!”, dedica a sétima canção a “todos os emigrantes”. O baixo eléctrico e as guitarras semi-distorcidas repetitivas transpõem uma Pop dependente da década de noventa. “Wind”. “Fresh desire”. Antes da oitava canção Victor Torpedo avisa: “Isto está quase a acabar!”. A programação em loop corresponde a uma melodia dançável que injecta sincopadamente uma festividade desarmante: “my eyes”, “TV”, no ecrã um gordo de cuecas tenta apanhar um homem magro e minúsculo de cuecas, um é a ratazana o outro um gato branco. Na nona canção o baixo eléctrico inscreve uma métrica repetitiva e que é quase negra, “that love sucks”, o sintetizador retira-a da dor e impregna-lhe uma melancolia determinada, no ecrã uma mulher armada escala um rochedo do qual cai, a guitarra eléctrica sola agudamente, “I belive in what you say”, e as guitarras versam um universo Pop que não a libertam de uma tristeza endógena. Palmas. Victor Torpedo é perentório sobre a popularidade da décima canção: “Os meus fãs sabem esta!”. Esta denomina-se de “Only Gosts” que tem um groove em que perdura uma bipolaridade entre a Pop e a dance music da década de noventa do século XX promovida através de low fi. Victor Torpedo enquanto dança passa o microfone a membros do público, “it`s only gosts”, no ecrã surge uma cria elefante num jardim-de-infância, “a picture on the wall”. A próxima canção é “Meet my Tribe” e Victor Torpedo discursa no imperativo: “Esta é a última depois toco mais quatro ou cinco!”. O loop que a perpassa é um afro-beat, “Meet my tribe”, no ecrã surgem afro-americanos que dançam freneticamente e fazem baloiçar as suas cabeleiras do movimento bombista os Panteras Negras, eco: “Meet my tribe”, “OOOO”. Palmas. Victor Torpedo determina: “Isto acabou! Querem mais?”. A programação da décima segunda canção deriva de uma relação entre o MDA e a água resultando numa inconsciente leveza do ser e consequentemente promove a deflagração da inexistência de constrangimentos morais, o Rei da Capital do Rock encontra-se no meio do povo com os quais delira: “OOO”. A décima terceira canção é apresentada por Victor Torpedo da seguinte forma: “Querem mais? Esta música é a última! Depois toco mais duas ou três”. Corresponde a uma sátira ao twist, “OOO”, surgem no ecrã chineses vestidos de cabedal com poupas hiperbólicas que dançam ao despique, “auu”, “AHAHH”, “common”, o twist acelera e ganha uma proporção de trip do absurdo, um homem nas cavalitas de um outro surgem espontaneamente no palco. A décima quarta canção é melodicamente melancólica, “let`s make some love”, no ecrã aparecem cadáveres de militares americanos num teatro de guerra vietnamita, as guitarras reverberam como ecos de uma última valsa. A décima quinta canção denomina-se de “Il Est Deja Trop Tard” e o Rei de Coimbra faz um apelo sentido: “Conduzam com calma, vocês são uns alcoólicos!”. Tem um groove das caraíbas, no ecrã uma loura espampanante olha para o público que observa Victor Torpedo que canta: “Il est deja trop tard” como se fosse uma confissão de um boémio que recusa partir para casa. A repetição de “il deja trop tard” e dos respectivos acordes podem incutir a hipnose, logo a canção está proibida de ser ouvida por menores, “I love Coimbra”. Victor Torpedo empunha o microfone a uma mulher de cabelos lisos que vibra com a canção e aceita o repto e canta: “Il est deja trop tard”. O Rei da Capital do Rock despede-se dos fãs: “Au revoir mês amis”.
Tracy Vandal and The Robots, “The End Of Everything” + Victor Torpedo, “Karaoke”, 26 de Dezembro, Salão Brazil @ Coimbra
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