sábado, 12 de novembro de 2016

Stranger Music—Selected Poems and Songs, 1993

No interior de uma cápsula está concentrada uma força que se assemelha ao tempo, onde se conjugam aleatoriamente formas verbais, esvai-se a sua memória criando um vácuo num corpo inerte com o olhar fixo no nada. Sigo a luz do corredor mas por instantes cego; e aparece a das escadas que desço e cruzo-me no hall com melómanos e entro na sala do Salão Brazil, no palco encontram-se os Wipeout Beat que se preparam para iniciar a sua actuação. A primeira canção tem origem em três teclados retro sinfónicos que se sobrepõem a um beat espaçado: Carlos Dias canta algo indescritível; a repetição das notas é alternada de teclado para teclado num jogo de figuras que se multiplicam em gestos incertos; Carlos Dias canta algo imperceptível; a progressão é quase minimal irradiando um negrume de crude derramado por uma consciência intoxicada; Carlos Dias canta algo inqualificável; e reagem num sincronismo barroco que é emoldurado por um dramatismo kitsch. Miguel Padilha apresenta-os “boa noite, nós somos os Wipeout Beat”. A segunda canção tem um ritmo curto e as vozes cantam: “1-2-3-4, she`s a bad girl”, dos teclados sai um timbre de alfinete no interior de um casulo onde se picam repetidamente as abelhas para se libertarem do pólen, a guitarra eléctrica do Pedro Calhau reinscreve-a num western spaguetti que alterna a sua reverberação com os dois teclados instando um quadro de deserto intervencionado por Christo. A terceira canção tem como base um loop pesado e um dos teclados instaura uma melodia para um filme infantil a preto e branco, mas a guitarra eléctrica do Pedro Calhau é viril e adulta; Carlos Dias: “Fiction”, os dois teclados parecem presos a uma progressão tão lenta que é indefinida…“Fiction”, “heart”. A quarta canção remete através do seu beat para uma bateria “real”, e os teclados sublinham uma repetição das notas pop sinfónicas, Carlos Dias: “I give you all, you are so tall”, “model”, “stop”, que se prolongam como um mantra fora de moda. Na quinta canção o ritmo synth convida à dança os presentes, os teclados instauram uma tonalidade negra e um dos quais destaca-se e revelam-se num minimalismo retro e a voz é a do Miguel Padilha que canta/fala: “I go back”, solo de um dos teclados providenciando uma textura aguda, que se intercala com a guitarra semi-distorcida de Pedro Calhau instaurando o psicadelismo, “I don´t know”, a progressão é tendencialmente épica, “I go back”; “I go back”; “I go back”; “I go back”; “I go back”; “I go back”; “I go back”; “I go back”. A sexta canção tem uma densidade estilística dos teclados que ecoam agudamente, com o Miguel Padilha na voz: “I`m waiting for the rain stop”, “I`m waiting for the rain stop”, e erigem um edifício de cor escura iluminado por uma lua extravagante a sua arquitectura é manchada por nuvens diáfanas, “I`m waiting for the rain to stop”. Inserem um loop dançante e Carlos Dias informa: “Esta é a última…a seguir Ghost Hunt”; os dois teclados repetem as notas numa progressão sustenida, a guitarra eléctrica do Pedro Calhau introduz um solo rock, e os teclados aumentam a sua altura e adensam a perspectiva sónica da guitarra eléctrica. Pausa. A guitarra impõe-se sobre os acordes dos teclados numa antítese perfeita, “baby, baby”, a relação de forças mantém-se como fossem diversas figuras a discursar sobre o absurdo, “baby, baby, baby”, e divagam num sublime lirismo retro-Kaut Rock. As luzes da sala estão apagadas e no palco encontram-se dois rapazes, o Pedro Oliveira atrás de um conjunto de teclados e o Pedro Chau com um baixo a tiracolo, atrás dos quais se lê a cinzento Ghost Hunt sobre uma tela negra. No primeiro tema o Pedro Oliveira introduz um som denso digital num groove flutuante que lentamente se misturam, no ecrã um gráfico com uma linha movimenta-se oscilantemente; aumenta a altura e as peças sonoras agregam-se e recriam um Outono de folhas caídas à janela de uma casa em ruínas; a geometria é representada no ecrã através da sua sobreposição de formas que arquitectam a passagem do tempo; o som adensa-se mas é perturbado por uma frequência aguda que se repete modelarmente e que induz ao vazio; as ondas sonoras do ecrã sustêm-se numa dor inoportuna; o beat synth é pesado e o baixo eléctrico do Pedro Chau revela-se promiscuamente Pop; o ritmo acelera numa progressão que se equipara a uma máquina por inventar e o baixo eléctrico sobrevém e intercala-se com os teclados synth agudos que contrabalançam numa meta música. No segundo tema o teclado do Pedro Oliveira insere um xilofone digital que é infantil de tão delicado, e o beat dançante é acompanhado pelo baixo eléctrico do Pedro Chau e progridem instaurando numa viagem sofisticada por entre arranha-céus; o beat domina sobre a melodia synth e a sua progressão desagua numa repetição das notas dançantes; Pedro Oliveira sola sem que esteja emoldurado por outros efeitos ou pelo baixo eléctrico; ressurge o beat e o baixo eléctrico e a progressão acelerada remete para um psicadelismo digital, que retira a consciência do seu estado vigente e o substitui pelo inconsciente. O terceiro tema é dominado por um ritmo acelerado que é corrompido pelo sintetizador do Pedro Oliveira que se impõe numa agudeza rococó; há uma pausa e destaca-se o baixo eléctrico do Pedro Chau; o beat pesado e acelerado é dilacerado pela introdução da guitarra eléctrica do Pedro Oliveira e citam de forma épica o kraut rock, exuberante ao transbordar como ácido de um cérebro em vias de uma combustão. Pedro Chau informa: “A próxima música chama-se ´Games`”, e é o single de apresentação de “Ghost Hunt” o mini álbum que editam hoje e que dedicam, “to the memory of our dear and lost friend Bruno Pedro Simões”. “Games” tem um andamento tão dançante quanto viciante e o break beat pontua-a com um retrocesso que relança a progressão; surge um sinfonismo do sintetizador e há uma gradação desconstrutivista que se transforma num paradoxo construtivista que se alternam como máscaras que ora se envelhecem ou se rejuvenescessem; as máquinas fazem aterrar uma nave que foi usada durante a guerra das estrelas; o sintetizador sola como que a anunciar um mundo maravilhosamente repleto de paisagens abstractas. Antes do quinto tema Pedro Chau discursa: “Só queria dizer que finalmente temos o nosso disco à venda”, que demorou nove meses a encontrar este destino, “o que posso dizer mais? Espero que esta noite seja tão especial para nós quanto para vocês”. “T.V.O.D” original The Normal (aka Daniel Miller) é apresentado através dos sintetizadores do Pedro Oliveira que fazem dançar no ecrã linhas de alta tensão, onde poderiam estar palhaços pendurados por uma gravata que os asfixiaria lentamente num último orgasmo; domina o beat synth retro e a voz do Pedro Chau intervém como se fosse um professor a ditar um discurso codificado aos seus alunos: “T.V.O.D”. “I don`t need TV screen”. O beat e os sintetizadores instituem um psicadelismo virtual mas que sonoramente se assemelha a imagens impossíveis de reter na memória; “T.V. O.D”; “T.V.O.D”; o break beat provoca um súbito despertar da consciência numa delicadeza que é confiscada pelo baixo eléctrico do Pedro Chau; a altura conjuga-se com um pendor big beat e instauram um viciante psicadelismo; no ecrã surgem os “Ghost Hunt” em palavras cinzentas; e as notas agudas do sintetizador são tão perturbadoras quanto uma tempestade de aves escravas do céu; inscrevem-se num dadaísmo synth e que é sublinhado pelo baixo semi-distorcido do Pedro Chau, instauram um fluxo áspero e dilacerantemente psicadélico que é estendido numa trip para ravers habituados a dançar no vazio. A última música “está no álbum… mas vamos toca-lha de forma diferente”. O teclado do Pedro Oliveira sustém as notas continuamente e a programação são uns pratos de bateria que se transmutam num synth beat que conjugado com a guitarra eléctrica do Pedro Oliveira e o baixo do Pedro Chau formam um triângulo que se multiplica e que se misturam num êxtase, param, mas os teclados mantêm a canção viva; a guitarra eléctrica e o baixo desdobram-se num psicadelismo exorbitado pelo fluxo synth; exalam um composto que se evaporiza num cogumelo às mãos do mal e contamina as flores de pedra que dançam macabramente em redor de esqueletos aturdidos pelo beat que desaparece e reaparece num pulsar ainda mais acelerado e a guitarra eléctrica do Pedro Oliveira e o baixo do Pedro Chau instauram uma vertigem que é acentuada num contínuo êxtase…

Ghost Hunt-- apresentação do mini álbum homónimo-- e Wipeout Beat, 11 de Novembro, Salão Brazil

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