segunda-feira, 19 de outubro de 2020
domingo, 18 de outubro de 2020
DE L`AMOUR
Não associo o seu rosto
à fotografia de quando tinha quinze anos olho para ele e encontro um rosto
meditativo de quem está a planificar ou a sintetizar um problema a sua ausência
era tão crónica quanto o era o da minha mãe e passeava por entre braços estrangeiros
ou eram de estrangeiras cada uma com seu sotaque de uma cidade brasileira não
me lembro de nenhuma delas tenho uma vaga ideia que eram de plástico ou pelo
menos era assim que as sentia e tinham um odor estranho como que agridoce que
ainda hoje tenho como algo amargo porque simbolizava que estava sem a minha mãe
ou pai não sabia onde me encontrava se dentro ou fora de uma caverna húmida com
desenhos ancestrais riscados nas pedras de argila tal como os que desenhava ou
pelo menos parecidos creio eu ou talvez não eram meras deambulações de um estímulo
criativo que me libertava da presença das amas havia uma que parecia que fazia
de minha mãe e outra de outra mãe e ainda uma outra que aparecia
recorrentemente para conversar sobre as suas dores diárias que eram de origem
da alma ou pelo menos era a isso que associava às suas lamentações; noite de
festa em Coimbra no Salão Brazil o último reduto de resistência à onda da
pandemia que encerrou inúmeros clubs em diversas cidades do país e que se
mantêm encerrados as bandas deixaram de ter um palco à medida da sua
popularidade para muitos seria a emancipação da garagem para outros mais uma
visita para cantar e tocar e serem presencialmente ouvidos algo que hoje é um
luxo pois agravado com as emissões online que são por si só impessoais e
formatadas a um emissor pobre que condiciona a audição do ouvinte e essa aversão
entre outras obriga-me a estar sentado à espera da Raquel Ralha e do Pedro
Renato uma dupla originária dos míticos Belle Chasse Hotel e tal se prende com
a apresentação ao vivo do álbum editado recentemente “The Devil’s Choice,
Vol.II / Heavenly Tales” se o primeiro capítulo desta dupla tinha como premissa
reescrever temas de outros músicos/bandas em que dominavam cores garridas de
tão agressivas que reinscreviam um outro negrume que era somente desenhado nos
originais o concerto encontra a cantora com asas brancas mas de vestido negro
acompanhada por Pedro Renato na guitarra e nos teclados e as canções dos Love
and Rockets ou do Barry Adamson ou dos Pixies têm como centro nevrálgico realçar
a melodia numa cadência que evoca simultaneamente uma efemeridade fúnebre em que
reverberam pormenores narrativos que primam por uma eloquência dramática que
apela a imagens idílicas que são de um arrasto sentimental que recorda estados
de espírito dignos de uma criança ou laivos de demência por parte de um idoso e
nessa transacção há um baloiçar de sonho derrotado como o que se assemelha a “Heaven”
dos Psychedelic Furs; apesar de não perceber o que ou porquê ou por quem chorava
era uma lamúria recorrente que se aparentava com algo tão distante do qual
somente era capaz de ouvir o eco das suas palavras tolhidas de dor perguntava à
minha mãe porque ela chorava e ela dizia que fazia parte dos pobres para se
aliviarem de tal enguiço sentir-se-iam felizes não compreendi o que dizia
enquanto contemplava com uma divagação filosófica o jornal e eu abandonava-me a
jogar com uns mini carrinhos e afastava-me da sua presença e no meu quarto
continuava a acelerar e sentia o cheiro do seu cigarro a ser absorvido
parcialmente pela janela da nossa casa de onde se vê o horizonte e se me
assemelho a uma criança é somente porque esse era o meu estádio de
desenvolvimento mas a ausência de um irmão ou de um outro ente querido da minha
idade teriam feito nascer um amor que desconheço como é o fraternal posso
alistar-me num lar e encontrar o irmão que tanto desejei desde que me lembro
que o espero para lhe dar a minha palavra que lutarei por nós tal como hoje como
sempre.
Raquel Ralha & Pedro Renato, “The Devil’s Choice, Vol.II / Heavenly Tales”, 17 de Outubro, Salão Brazil, Coimbra.
domingo, 4 de outubro de 2020
sábado, 3 de outubro de 2020
Filhos do Tédio
O gato no alpendre da
nossa casa parece que se deita e se enrola como uma corda de um veleiro sobre o
convés mas ele é negro de olhos verdes e tem uma alegria de quem é feliz na sua
pele de negro em tempos usado pela magia negra ou intitulado como símbolo do
azar ambos são redundantes tanto quanto o poderia ser na Idade Média por vezes
o gato senta-se ao meu colo numa simples manifestação de carinho que retribuo
com carícias para o embalarem no sono e ronrona numa meditação que o liberta da
condição de gato descendente dos glorificados no Antigo Egipto e ou de
vampirismos de filmes de série B mas essas considerações pouco lhe importam a
prioridade é satisfazer o seu ego com a minha ternura benevolente de quem faz
dele um ser precioso que me compreende tanto quanto eu conheço as suas manhas
de gato mimado é o meu companheiro nesta casa que intitulo como nossa porque
ele é o fiel da balança com a sua alegria que contamina e me torna numa pessoa
que somente reconhece a felicidade como se fosse um postal de uma ilha
paradisíaca e se pudesse sairia deste lugar para uma outra divisão com menos
luz diurna para que a minha sombra não fosse tão pesada parece que estou imerso
numa penumbra ditada por arquitectos e empreiteiros tão ignorantes quanto
gananciosos quase que se assemelha a um bunker onde saltita o meu gato preto
sobre o cimento do chão coberto aleatoriamente por tapetes esburacados; o trio
conimbricense Wipeout Beat apresenta-se no Salão Brazil com o propósito de
apresentar novos temas que irão constar no próximo álbum de originais onde irão
constar duas canções que ultrapassam os dez minutos algo ousado na pop que
decorre a nível nacional mais predisposta às rádios locais mas esta
consideração serve de contraponto para destacar positivamente os Birds Are
Indie ou os Mancines e ou ainda Raquel Ralha & Pedro Renato e a lista ainda
poderia passar pelos Flying Cages ou os a jigsaw ou ainda os penúltimos mas nem
por isso os menos importantes os demolidores The Parkinsons acompanhados pelo
Kazuza ou os cáusticos Subway Riders e o trio Wipeout Beat são a razão
exclusiva desta crónica sónica “Sonic Life” é uma canção com variações mínimas
em teclados analógicos numa continua desconstrução do kraut rock do álbum “Small
Cities Big Thoughts” (2018) e é aqui detalhada para ser usada como termo
comparativo das novas canções e essa premissa é recolocada num outro contexto
sonoro em que o que decorre é um composto que incorre numa releitura ou
reescrita do punk ou do blues quase que os decapitam e os transformam num outro
conceito de cultura mais denso e harmonicamente poderoso com as progressões
circulares a se estabelecerem como elemento exógeno a esta revolução que poderá
ser em cada segundo ou minuto em que inscrevem uma nova utopia; esburacados por
causa da sua criancice de afiar as unhas ao tapete ou então esgravata-lo para
escavar uma saída desta casa como o compreendo se tivesse a sua força de
vontade conseguiria algo que não fosse um encarceramento imposto pela minha
velhice a qual parece que encobre e ou revela a minha impotência em augurar um
outro futuro que este que não se parece com esse espaço temporal neste é o
presente que me domina para me obrigar a pensar sobre o porquê de não conseguir
fugir mas não sei como nem sei para onde não tenho a saúde do meu lado o meu
coração consome comprimidos para funcionar assertivamente a minha mão treme e
não sei porquê talvez seja do frio que consome os tijolos que formam o meu
esqueleto onde há musgo e outros parasitas tontos o meu gato é o único ser ao
qual dou apreço tal como daria a quem me amasse incondicionalmente tal como o
fiz à minha querida esposa que se passeia tal figura diáfano e me trespassa o
coração por uma energia rejuvenescedora que me dava alento para forçar a chave
da porta e desaparecer tal como o faz por vezes o meu gato para quebrar com a
sua rotina de prisioneiro da minha solidão.
Wipeout Beat, 2 de
Outubro, Salão Brazil, Coimbra.
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