domingo, 26 de junho de 2022

Diário Do Último Ano

Se fosse uma tarde quente de Junho seria o ideal e por isso pergunto o porquê desta aragem gélida que percorre o Parque da Bela Vista e perturba os festivaleiros (fãs de gorros e de flores nas cabeças e ou pinturas faciais) sente-se uma excitação generalizada por estarem a participar no RIR (Rock in Rio).

Há quem esteja atento aos UB 40 com Ali Campbell (este é irmão do anterior vocalista) que tem um timbre similar a esse seu familiar-- fazendo pensar que é o original algo que não custa nada a crer --oferecendo à banda uma voz aguda e superiormente irritante que sobressai a um reggae que é de uma linearidade atroz por se adaptar maioritariamente a um contexto de socialização onde domina a festividade, fugindo à canção de intervenção que teve como expoente de representatividade o Bob Marley, sendo assim a música dos UB40 com Ali Campbell é tão superficial quanto alienante algo que agrada por norma às multidões.

No palco EDP Music Valley (que dista do Palco Mundo o suficiente para não se ouvir ecos dos UB 40) espera-se pela entrada em cena do Ney Matogrosso-- que se apresenta após a entrada dos músicos que foram apresentados por uma voz off assim como é referenciado o designer das luzes, etc— e é invadido por uma ovação dos fãs que se deveriam ajoelhar perante este mito brasileiro que canta como se cada palavra fosse um organismo vivo que se complementa numa poética que recorre aos Secos & Molhados e ao seu repertório a solo, e as canções (MPB, rock, bossa nova) evocam locais onde a emancipação do homem se dá através do momento que toma conhecimento da razão e está faz crer ao individuo que a liberdade é fundamental para a sua felicidade, estas canções são tão pertinentes hoje quanto fizeram quando dominava a ditadura militar no Brasil, que infelizmente continua manietada às mãos dos militares e dos juízes, tendo como representante alguém tão néscio quanto Bolsonaro. (Ney Matogrosso não é só um mito da música popular brasileira é um guerreiro que através dos seu canto de ave de rapina se enuncia como um corpo livre e assim lhe segue a alma, do primeiro a multidão pediu que despisse o casaquinho mas recusou: “Está correndo um vento frio nas minhas costas…”, mas mesmo assim anui e abre-o ligeiramente e a galera delira por o cantor ser tão complacente quanto simpático).

No Palco Mundo surgem os noruegueses a-ha que são compostos por um trio no qual se insere o vocalista Mortem Harket que apresentam um conjunto de canções predominante pop com laivos de uma sobriedade que é somente assoberbado pelos teclados que lhes incutem uma característica synth mas afincadamente kitsch, mas o centro das atenções não é somente Mortem Harket com o seu timbre em falseto (e que esteve irrepreensível durante a hora que esteve em palco), mas também o guitarrista Paul Waaktaar que fez solos épicos mas contidos que introduziram uma urgência rock às canções que disso precisavam, há ainda a realçar que apesar de transporem fielmente os originais que lhes deram fama na década de oitenta (principalmente) estas tinham inúmeros pormenores lhes ofereciam laivos de alguma contemporaneidade. De realçar o discurso de Magne Furuholmen sobre o atentado a um grupo de gays em Oslo, sublinhando que todos têm o direito de se relacionarem livremente.

Duran Duran (também no Palco Mundo) iniciam com “Wild Boys” e aparentam uma coesão soberba que ganha e domina o público que acompanha na gritaria do Simon Le Bom, porém há um retrocesso quando arriscam as músicas do novo disco “Past/Present” (e que alternam com os clássicos) pois parecem uma outra banda porque os cinco elementos não se encontram passando de banda a um grupo de músicos que mal ou pouco ensaiaram as novas músicas, algo que é tão desconcertante quanto frustrante para quem como eu está em pé numa ribanceira (e o vento que me acompanha desde o inicio e que está cada vez mais gélido), a somar a isto está a voz de Simon Le Bon que inexplicavelmente ao fim de uma hora de concerto dá o berro (isto é cana rachada) e que é mero ruído (nem o Auto-Tune consegue resolver), e de negativo acrescenta-se a postura do vocalista que é um tanto ou quanto sobranceira e arrogante: para que o acento cockney Simon? Se tanto ele como os restantes membros da banda (excepto o guitarrista que está com eles há dezoito anos) são de Birmingham onde não se fala com tal sotaque. De elogiar a canção que Simon Le Bon dedica ao povo da Ucrania.

 Rock In Rio, 25 de Junho, Parque da Bela Vista, Lisboa.

domingo, 5 de junho de 2022

Werther

A associação entre a Orquestra Jazz de Matosinhos e Rui Reininho encontra o seu segundo capítulo na Praça Real Vinícola (antes havia decorrido na Casa da Música) inserido no conjunto de concertos Jazz Na Real Vinícola; o cantor dos GNR traz consigo o Alexandre Soares e o Paulo Borges que juntamente com a orquestra (maioritariamente constituída por metais) executam as canções que decorrem do segundo álbum de originais de Rui Reininho “20000 Éguas Submarinas”. A relação que estabelecem é a de acentuarem os elementos estéticos que se evidenciavam em cada um dos temas do álbum, isto sem serem meramente retratistas, mas na procura de evidenciar pormenores que se encontravam no subtexto da linha melódica dos originais: onde há delicadeza e profundidade acentuam-se as mesmas, onde há excesso e opulência acrescenta-se ainda mais a densidade; destas ondas sonoras (o que remete para que esteja inerente uma ondulação que não afecta somente “Fartos do Mar” mas também as suas congéneres) provém universos abstractos e outros oriundos-- de e por exemplo-- do flamenco a sua coexistência confere às canções uma profundidade extravagante pois se encaixam sequencialmente ora derivadamente e tendencialmente criando um “big picture”. Porém e comparativamente quando Rui Reininho se apresenta somente com os seus quatro comparsas há um aprofundar senão mesmo um denso sublinhado sobre o psicadelismo que confere uma dimensão “inconsciente” às canções, mas dado o facto de a orquestra ser composta por metais a que se juntam uma bateria e um baixo  eléctrico, as opções teriam que passar obrigatoriamente por esse conjunto de músicos, logo essa dimensão psicadélica está alienada dando espaço  a arranjos  que complementam as canções noutros domínios (como o aqui evidenciado flamenco),-- resolvendo assim-- o que em quinteto era uma constante enunciação que se insinuava e se exprimia para além da moldura do tal “big picture” extravasando as suas fronteiras mas sem se perder a narrativa sónica. A surpresa final é “Sete Naves” --original dos GNR e uma das composições co-escritas com o Alexandre Soares, um dos membros fundadores do Grupo Novo Rock-- e que a Orquestra Jazz de Matosinhos transforma numa tempestade, mas em vez de soprarem ventos adversos sobre embarcações fantasmagóricas há uma felicidade destemida contra toda e qualquer perturbação que se torna numa esperança que enche de força os marinheiros que usam a voz do Rui Reininho para se vingarem de residirem no além, e o único desassossego é ouvirem-se através da sua voz e por essa e somente por essa razão sentirem-se vivos. 

Rui Reininho & A Orquestra Jazz de Matosinhos, 04 de Junho, Jazz Na Real Vinícola, Matosinhos.