sexta-feira, 23 de setembro de 2022

A Maneira Fácil e Rápida de Falar com Eficácia

O festival Jazz ao Centro que se realiza no Salão Brazil (Coimbra) propõe para a sua noite inaugural: Rodrigo Brandão & Sun Ra Arkestra e para quem gosta de jazz este último nome é fundamental dada a sua áurea de génio que assinou cem álbuns, e tornou-se fundamental no carácter vanguardista das suas propostas seja no free jazz ou no jazz modelar, seja sentado ao piano ou nos sintetizadores. A sombra de Sun Ra ainda perdura através Sun Ra Arkestra liderada por um dos seus pupilos o saxofonista Marshall Belford Allen (que não se encontra na banda que irá actuar daqui a pouco, antes há somente dois músicos que pertenceram à Arkestra e que tocam sopros).

O denominador comum do concerto consiste no free jazz mas dada a repetição constante do mesmo mecanismo rítmico este acaba por se ir anulando para se tornar em algo entediante, pois não há uma surpresa vibrante quando ecoam os solos dos metais --aos quais se deve juntar aos dois americanos o Rodrigo Amado no saxofone— e acabam-se por se perder no caldo ainda composto por bateria e contrabaixo, tambor e teclados (que não se ouviram). Por outro lado e esta talvez seja a questão fulcral que faz reflectir qualquer melómano: é a impossibilidade e ou a incapacidade de criarem meios termos ou intervalos de tempo em que fosse possível haver um maior discernimento dos músicos para recriarem de forma criativa o free jazz, antes o que sucede é a sua cristalização nos domínios há muito determinados por outros músicos como por exemplo o Miles Davis. Não há respiração apenas e somente uma contínua (arrisco-me acrescentar) forma trágica (quase) perpétua circularidade por decair numa redundância que é exasperante que transforma o free jazz num pantanal, que inicialmente pretendia elevar as consciências a domínios que lhe estão vedados através da pura observação (por exemplo) da natureza e ou da arquitectura, somente essa música tem o poder de o realizar de forma instantânea para que nada fique igual, para que nada fique pedra sobre pedra  e permitir ao ouvinte estabelecer raciocínios mais complexos (algo que a música pop/rock raramente o consegue); mas o free jazz produzido por este colectivo é inócuo da mesma forma que o é a literatura de cordel ou os romances de cariz científicos ou de fantasia medieval ou fantásticos.

Adoraria esquecer a presença de Rodrigo Brandão, sentado numa mesa, que é o MC que lê um manifesto que tem a duração de três ou quatro horas (isto no tempo psicológico), na realidade tem a duração total do concerto (aproximadamente sessenta minutos). Este mestiço originário do Rio de Janeiro produz uma leitura sobre diversos temas especialmente focalizados na união entre religiões, na dança dos “cérebros” ou na questão de género ou na discriminação racial, há somente um momento em que a leitura se alinha com o ritmo da banda e num outro declama, chega a levantar-se para dançar dando uma movimentação às pernas similar às das gaivotas e noutra ocasião desce o palco deita-se no chão a uivar para o microfone. É verdade que transpira felicidade por ter uma plateia tão obediente aos seus ditames, que são meras observações morais e ou críticas retiradas de jornais, o seu contraditório limita-se afunilar através da censura da desunião entre religiões, à incapacidade dos cérebros de serem livres ao ponto de dançarem, à impotência perante a diversidade ou à questão racial que ele julgava que era menos densa em Lisboa do que no “Rio, onde o céu é mais pesado”, mas um dia acordou e viu um nome na comunicação social, “Bruno Candé”, que fora assassinado algo que o fez reflectir sobre algo central: “Como é possível no século XXI, gente nois estamos no século XXI, haver ainda racismo? Como é possível?”. Meu caro Rodrigo Brandão tal deve-se ao seguinte (e pode perguntar a historiadores que conheça), há diferentes níveis de tempo na ciência que estuda os povos, e dividem-se em três pontos: na estrutura, na conjuntura e revolução, e esta última ainda não surgiu para categoricamente anular o racismo das mentes dos brancos (cor de pele do assassino do Bruno Candé). Por fim, Rodrigo Brandão agradece a “Rui Miguel Abreu”…

Jazz ao Centro, Rodrigo Brandão & Sun Ra Arkestra, 22 de Setembro, Salão Brazil, Coimbra.

sábado, 10 de setembro de 2022

Íbis

Noite de Verão em Coimbra mais precisamente na Praça do Comércio local onde está instalado um palco onde recentemente actuaram os Wipeout Beat, numa prestação inequivocamente assertiva na qual dedicaram uma canção ao dj Afonso Macedo (recentemente falecido). A mesma lembrança trará Carlos “Kaló” Mendes dos Twist Connection que juntamente com os seus dois comparsas se encontra a tocar um rock que tanto se inscreve numa angulosidade repetitiva quanto numa propensão crónica às raízes mais primárias do rock and roll, e é nessa mistura em que umas vezes é mais preponderante a primeira em relação à segunda e ou vice-versa que emerge o som dos Twist Connection, algo que poderão comprovar no quarto álbum de originais “Anywhere But Here”, hoje editado. Será este raciocínio algo simplista e consequentemente redutor em relação a essa realidade estética em que ao que parece há um objectivo implícito, como qualquer banda de rock The Twist Connection defendem uma verdade ou talvez uma moral e essa é tão só o de fazer os corpos dançar, não foi essa uma das premissas do Elvis Presley? Há pessoas a dançar em frente ao palco assim como o Samuel Silva (guitarrista da banda) movimenta-se continuamente enquanto dedilha os solos e ou as notas repetitivas (muito do poder sónico dos Twist Connection passa pelo incansável poder sónico deste músico). Quanto à bateria esta é da responsabilidade do Kaló, que em pé controla o andamento das canções fazendo (por vezes) pausas ou sustendo a nota, que poderiam ser limitadas mas que o cantor/baterista faz questão que sejam muitas e largamente ocupadas com diversos discursos, muitos dos quais sem qualquer interesse correndo o risco de quebrar com a urgência que as suas canções transparecem provocando a quem se encontra na bela Praça do Comércio algum enfado. Assessorado por Sérgio Cardoso no baixo eléctrico que se mantém sobriamente ao lado da bateria. O resultado do concerto não deixa de ser uma celebração primeiramente à possibilidade de libertar as consciências das suas rotinas escalonadas por outros, ou, à eloquência com que através de gestos primários se evoca uma desmistificação dos maus rapazes e das más raparigas, porque se fosse pelos Twist Connection somente existiram rebeldes dos que viram costas à sociedade para se agrilhoarem ao prazer exclusivo que o dizer não gratuitamente é capaz.

The Twist Connection, “Anywhere But Here”, 9 de Setembro, Praça do Comércio, Coimbra.


Dedicado ao Dj Afonso Macedo.

domingo, 4 de setembro de 2022

Teremos Sempre Tebas

O Centro de Artes e Espectáculos da Figueira da Foz anuncia para noite de hoje “Mário Laginha & Pedro Burmester tocam Bernardo Sasseti”, este último evaporou-se há uma década atrás algo que foi uma tragédia para a cultura musical portuguesa, para além de ter sido um excelente pianista, revelou-se através da composição que discorria entre a música clássica, a música para filmes e o jazz, o que perpassa estes géneros musicais é a elegância com que os transforma em quadros visuais dinâmicos ou como refere a folha de sala: “Bernardo transforma uma herança rica de Bach a Mompou, Chopin a Bill Evans, em imagens sonoras únicas”. O seu carácter criativo era complexo e amplamente culto pois através de cada composição estruturava de forma simples os géneros musicais que se propunha explorar, tal sucede em “Prelúdio em Sol Maior”, uma música que é leve apesar de ter como centro a repetição de um punhado de notas a partir das quais há diversas variações.

Que fora antecedida por dois temas que não fazem parte da lavra do Bernardo Sasseti e que foram executados a quatro mãos-- às do homenageado foram tocadas a duas mãos em que os dois músicos se intercalaram--  Astor Piazzola “Grand Tango”, Mário Laginha “Concerto para dois Pianos”- primeiro andamento, e que revelaram a mestria dos pianistas que se “encaixaram” quase como fossem ambos peças únicas e que por essa razão revelaram quanto é complicado executar estes dois temas e o resultado foi deveras excelente pois cativaram a multidão irremediavelmente.

Já “Inquietude” de Bernardo Sasseti é de uma solenidade desarmante quase uma canção fúnebre que ainda encontra esperança num reflexo de fancaria, onde em vez de se encontrar a morte vê-se uns lampejos crónicos de vida. “I Left My Heart In Algândaros de Baixo” de Bernardo Sasseti e tocada por Pedro Burmester refere-se a algo entre o jazz e a música clássica, pois é difícil destrinçar onde começa o primeiro e se imiscui a segunda, dada a sua ambiguidade estética é de difícil catalogação para além de ser de uma tristeza à qual está aguilhoada por uma tragédia. “De um Instante a Outro” de Bernardo Sasseti e tocado pelo Mário Laginha que é o único tema que é ostensivamente jazz com as devidas variações de notas e de ritmo, um caminho serpenteante por uma montanha à qual não se encontra o cume.

Encerram o concerto com o “Bolero” do Maurice Ravel a quatro mãos e mais uma vez as duas partes dialogam mas seguindo a cadência repetitiva em crescendo da qual surge a melodia, um tema que é de domínio comum de quem conhece minimamente a música clássica e que foi aplaudido de pé numa longa ovação e que levou os músicos a realizarem três encores com as canções do Bernardo Sasseti. Bravo.

Mário Laginha & Pedro Burmester tocam Bernardo Sassetti, Figueira Jazz Fest, 3 de Setembro, Centro de Artes e Espectáculos da Figueira da Foz, Figueira da Foz.